Mais de 3,2 mil pessoas perderam a vida depois de serem infectadas por covid-19 na Serra até esta terça-feira (6). Em 7 julho de 2020, a região chegava a 100 mortes provocadas pela doença. Passado um ano, são 3.213 mortes. Isso significa que o número de vítimas de lá para cá multiplicou em mais de 32 vezes. Caxias do Sul concentra o maior número de óbitos: 1.138. Por trás de cada um desses números há um rosto, um nome e uma história. São pais, mães, avós, avôs, filhos, filhas, amigos e amigas que partiram sem que os familiares pudessem se despedir.
Ao analisar os números, a estatística coloca o vírus entre as doenças que mais matam na região. A lista concentra ainda alta de mortes provocadas por câncer, diabetes, enfermidades do aparelho circulatório, que inclui o acidente vascular cerebral (AVC), doenças respiratórias e cardíacas ou motivos não naturais, como assassinatos e acidentes de trânsito. Em algumas situações, a covid-19 supera inclusive os óbitos por doença cardíaca, tradicionalmente conhecida como uma das enfermidades que mais mata no Brasil e no mundo.
— Esse aumento era possível pela taxa de transmissão desse vírus e com a letalidade da doença — explica o cientista de dados e integrante da Rede Análise Covid-19, Isaac Schrarstzhaupt.
Ele ressalta que, se for analisado o gráfico de mobilidade de Caxias do Sul, por exemplo, ele sobe desde que a cidade ficou deserta, em março de 2020, logo depois do registro do primeiro caso de covid-19 no município. Isso significa que, com a circulação de pessoas, aumenta o contágio e, consequentemente, o número de internações e mortes:
— A mobilidade aumentando nos dizia que teríamos, sim, mais casos e óbitos. Só não conseguíamos prever exatamente a longo prazo pois há uma "pegadinha" na previsão: quando há um aumento muito drástico devido a surtos, o comportamento da população muda. No momento em que há colapsos hospitalares e que a morte chega mais próxima, conseguimos ver um reflexo disso no gráfico de mobilidade, mesmo sem decreto, em muitos locais. Além disso, existem decretos para frear a mobilidade, mas aqui só são aplicados em casos extremos, como foi na bandeira preta _ aponta ele.
Questionado sobre a possibilidade de projetar o número de mortes para julho de 2022, com base no índice de crescimento de 2020 a 2021, Schrarstzhaupt considera praticamente impossível. Ele leva em conta três fatores:
— A dinâmica da transmissão está diferente, porque a proporção entre casos e mortes muda aos poucos conforme as faixas etárias vão se vacinando, e a efetividade das vacinas só será consolidada após todas as faixas etárias serem imunizadas. Segundo, que podem surgir variantes com escape vacinal ao longo do caminho que gerem surtos pontuais e, em terceiro, pode ter uma parcela de pessoas não vacinadas que acabam ficando mais graves, como tem sido registrado em alguns estados americanos.
O cientista acrescenta que a fase é de transição e, diante do atual cenário, é complicado projetar corretamente pela dinâmica da epidemia — variantes ou surtos específicos que explodem após uma mudança no comportamento.
— Se projetar agora, com todas essas incertezas, fica difícil acertar 15 dias, quanto mais um ano.
À respeito da comparação com outra cidade do mesmo porte de Caxias, o especialista enfatiza que seria necessário avaliar uma série de pontos para analisar o contexto:
— O porte é só um fator. Teria que ser uma cidade com a mesma variante atuando, o surto começando na mesma época, as medidas não farmacológicas similares. Quando isso muda, vai mudando a dinâmica da epidemia, cada uma vai para um lado. As epidemias não se comparam por serem multifatoriais. Pensa comparar o Brasil, com 220 milhões de habitantes e 520 mil mortes, ao Vietnã, com 100 milhões de habitantes e 76 mortes, por exemplo. Se usarmos apenas a população, significa que o Brasil teria de ter 200 mortes totais — enfatiza.
"A vacina é a única coisa que efetivamente funciona", defende cientista
Especialistas defendem que o percentual de vacinados sobre a população geral é o cálculo ideal para mostrar o quanto falta para frear a circulação do vírus. Isso porque, no momento, a vacina reduz a letalidade do vírus e, consequentemente, o número de internações. Já as medidas sanitárias, como distanciamento físico, uso de máscara e higienização das mãos, impacta na circulação do coronavírus.
Schrarstzhaupt aponta que a vacina é a única coisa que efetivamente funciona e, mesmo assim, de forma coletiva, não individual. Ele se refere ao fato de que é necessário que 75% da população esteja imunizada para que a vacina possa reduzir o contágio.
— Daqui para frente temos a parte positiva, que são as vacinas, e o quanto antes atingirmos cobertura vacinal de pelo menos 75% da população com duas doses, melhor.
A parte negativa, segundo ele, é a circulação do vírus:
— A parte ruim é deixarmos o vírus "correr solto" como estamos fazendo, com a mobilidade alta e um número bem alto de novos casos por dia. Muitos casos aumentam o risco de termos novas variantes e uma dessas variantes pode, eventualmente, escapar da vacina ou da imunidade natural. A variante Delta está causando um aumento de casos no Reino Unido, por exemplo. Mas um número bem menor de mortes, porque estão com aproximadamente 50% da população vacinada.