Amostras coletadas em dois pacientes, um de Caxias do Sul e outro de Veranópolis, diagnosticados com covid-19, tiveram resultado positivo para a variante brasileira do coronavírus, a P.1. Os resultados foram repassados pelo Centro de Operações de Emergências da Saúde (COE/RS) para a equipe da 5ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS), com sede em Caxias, na quarta-feira (14). No caso de Veranópolis, a coleta ocorreu em 8 de março, e em Caxias o exame foi em 17 de março.
A triagem das amostras enviadas para o sequenciamento é realizada pelo Lacen, em Porto Alegre. As amostras de municípios que realizam exames de PCR em laboratórios próprios não são enviadas para sequenciamento através do Lacen, caso não guardem e enviem alíquotas para investigação, de acordo com a solicitação das Vigilâncias Estadual e Municipal.
A identificação já era esperada por especialistas da área, tendo em vista que a linhagem já foi detectada em Gramado, em fevereiro, e em pacientes de Bento Gonçalves, Carlos Barbosa, Pinto Bandeira e Serafina Corrêa, conforme análises feitas pelo Hospital Tacchini, em Bento, e divulgadas também na quarta. No estudo do Tacchini foram identificadas ainda a circulação da P.2 e B 1.1.28 na Serra, confirmando a disseminação de variantes virais em diferentes pontos da região. O sequenciamento do RNA das amostras de Sars-Cov-2 foi realizado pelo Laboratório de Microbiologia Molecular da Universidade Feevale, em Novo Hamburgo.
O primeiro caso da variante P.1 no Estado foi no município de Gramado, sendo que a coleta ocorreu em 14 de janeiro, 10 dias antes de pacientes serem transferidos do norte do país ao RS, de acordo com a Equipe de Vigilância Epidemiológica e Coordenação da 5ª CRS. O paciente era um idoso de 88 que morava em Gramado. Ele morreu em 10 de fevereiro, no Hospital Arcanjo São Miguel. Na ocasião, se constatou a transmissão comunitária na cidade, com 11 amostras positivas para P.1, e em Canela, com duas amostras positivas para P.1. A preocupação maior dos especialistas é devido a maior possibilidade de contágio e consequente velocidade de replicação viral, que resulta no surgimento de novas variantes.
Variante é mais perigosa
Para Anelise Kirsch, infectologista do Controle de Infecção Municipal, de Caxias do Sul, a confirmação, mesmo que esperada, é um alerta porque comprova que a variante circula na cidade.
— Desde fevereiro a P.1 está circulando em Gramado. Não tinha a confirmação oficial de casos em Caxias do Sul, mas já imaginávamos que a variante estava circulando na cidade. A P.1 é uma variante com 17 mutações e três delas estão presentes na proteína Spike, que é a principal proteína na imunização. Isso significa que o organismo não estará protegido da reinfecção, para quem já foi contaminado pela covid-19 e criou anticorpos, porque o sistema imunológico não reconhece a mutação do vírus — explica ela.
Ela ressalta que a variante brasileira do coronavírus se mostra mais contagiosa.
— Ela é mais infectante e é mais provável se contaminar com essa variante do que com a que estava presente no ano passado na cidade, justamente pela questão de proteínas. Nesse caso há a possibilidade que o vírus seja mais grave, então como há estimativa de que o número de casos siga alto, sabemos que quanto mais gente infectada, maior a gravidade dos pacientes.
Anelise avalia que a presença da variante aliada ao descuido em relação às regras para conter a contaminação podem ser a explicação para o aumento de casos e, consequentemente, de mortes em Caxias. Principalmente em março.
— É possível, mas não a única explicação. Acredito que a variante, aliada ao relaxamento de todas as medidas para conter o vírus, como aglomeração na praia, festas de final de ano e reuniões em família, agravaram a situação. Se tivessem respeitado as regras como em março do ano passado não teria esse agravamento. A mutação, aliada a esse descuido, fez com que tivéssemos agora um vírus que é mais infectante. Estamos esperando para a semana que vem o aumento e agravamento de casos, e agora a situação está cada vez mais complicada, porque o sistema de saúde está em colapso.
Especialista acredita que variante seja responsável pela maior infecção de jovens
Para a coordenadora da Infectologia do Hospital Geral (HG) de Caxias do Sul, a médica Viviane Buffon, a confirmação da variante explica a mudança de comportamento da doença, que passou a atingir os mais jovens com mais frequência. Ela explica que há acompanhamento da Vigilância Epidemiológica da região em relação aos casos diagnosticados de covid-19, sendo que amostras de pacientes, especialmente mais jovens, são enviadas ao Estado para a realização do mapeamento genético do vírus.
— Essa identificação da P.1 já era esperada, tendo em vista a mudança do comportamento da doença. Notou-se um aumento de casos de forma exponencial, com rápida disseminação, pacientes mais jovens necessitando de cuidados de terapia intensiva e tempo de recuperação mais prolongado. Possivelmente, a nova variante P.1 esteja diretamente vinculada à situação que vivemos na nossa região.
Ela alerta:
— A redução dos casos continua sendo dependente do comportamento social, que é não aglomerar, usar máscaras, higienizar as mãos e a vacinação em massa da população. As vacinas disponíveis estão demonstrando serem eficazes por estudos recentes para imunizar contra a P.1. No entanto, a resposta imunológica depende também de fatores imunológicos intrínsecos de cada indivíduo.
P.1
A P.1 surgiu em dezembro passado em Manaus, capital do Amazonas. Contudo, ela só foi identificada como variante em janeiro, no Japão, em viajantes que voltaram da região amazônica. A variante também foi detectada em vários países da América do Sul, como Argentina, Chile, Uruguai, Bolívia, Peru e Venezuela, mas também chegou a Estados Unidos, Canadá, Alemanha e França, que anunciou, na segunda-feira (12) a suspensão dos voos do Brasil, assim como outros países.
Da mesma maneira que a variante sul-africana, a P.1 tem a mutação E484K, que poderia gerar mais reinfecções do que outras cepas, segundo alguns estudos, porque demanda mais anticorpos para resistir ao vírus. Ela também tem muitas variações na proteína Spike, que é por onde o vírus entra nas células para infectá-las. Contudo, estudos preliminares demonstraram que a vacina chinesa CoronaVac, a mais usada no Brasil, é eficaz contra a P.1, assim como os imunizantes da Pfizer e da AstraZeneca.