Análises genéticas demonstram que uma nova linhagem do coronavírus, identificada inicialmente no Rio de Janeiro e batizada como P.2, vem se tornando predominante no Rio Grande do Sul desde o final de 2020.
A rapidez com que ela se dissemina dentro e fora do Estado é considerada um indicativo de que poderia ser mais transmissível do que outras versões da covid-19, mas ainda são necessários estudos conclusivos sobre isso. Por enquanto, não há qualquer indício de que resulte em casos mais graves.
— Uma pista que se tem (de uma maior transmissibilidade) é que ela ocupou um nicho que vinha sendo ocupado por outras variantes. Desde o final de novembro, passou a se disseminar muito pelo país. Mas são necessários experimentos em laboratório para comprovar — afirma o professor de Virologia da Universidade Feevale e coordenador da Rede Corona-ômica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, Fernando Spilki.
Uma pesquisa em andamento nessa rede investiga se a P.2 consegue escapar com mais facilidade dos anticorpos contra a covid-19 em comparação a outras linhagens.
— A gente fica bastante atento porque ela tem a mutação E484K, que tem ocorrido em amostras com potencial de ter um escape, ainda que parcial, da neutralização por anticorpos de pessoas que se vacinaram ou já haviam sido infectadas. Não parece ser um problema muito grande para as vacinas ainda, mas seguimos estudando — afirma o virologista.
A mutação E484K, também encontrada em outras variações como as descobertas em Manaus ou na África do Sul, afeta a chamada “espícula” — parte do vírus responsável pela ligação com a célula e, por esse motivo, tem potencial de facilitar a infecção. Porém, isso não significa que a P.2 tenha as mesmas características que essas outras variações já associadas a grandes surtos.
— A mutação E484K tem aparecido em diferentes linhagens. Inicialmente não estava na variante inglesa, por exemplo, mas os vírus mais recentes já têm essa mutação também. É o que chamamos de evolução convergente, quando dá alguma vantagem (ao vírus), então começa a aparecer em diferentes linhagens — explica Spilki.
O fato de essas diferentes formas do coronavírus terem uma mesma mutação não quer dizer que vão se comportar exatamente da mesma forma porque costuma haver outras modificações envolvidas. Por isso, a pesquisa de laboratório em andamento na Rede Corona-ômica tenta confirmar especificamente se os anticorpos gerados em pacientes imunizados ou que já tiveram a doença conseguem neutralizar a P.2.
— Desconfiamos que as vacinas continuam eficazes, mas somente após concluir o estudo poderemos atestar isso — revela Spilki.
A especialista em saúde do Laboratório Central do Estado (Lacen, ligado à Secretaria Estadual da Saúde) Tatiana Schäffer Gregianini, lembra que o Rio Grande do Sul ainda não tem registro das versões mais temidas do coronavírus de Manaus, da África ou do Reino Unido, entre centenas de modificações já detectadas em todo o mundo.
Veja, a seguir, algumas respostas que já podem ser dadas sobre a linhagem de coronavírus que vem se tornando predominante no Estado.
Tire suas dúvidas
O que são as mutações vistas no coronavírus?
São “erros” que ocorrem naturalmente na cópia do código genético do vírus ao se multiplicar. Quando uma mesma modificação é encontrada em grande quantidade, passa a ser considerada uma nova linhagem. Na grande maioria das vezes, essas variações não representam qualquer problema. Algumas, porém, podem modificar alguma característica do vírus capaz de deixá-lo mais transmissível ou virulento. Veja mais no vídeo a seguir.
A linhagem P.2 é mais perigosa do que outras?
Não há qualquer indício de que resulte em casos mais graves de covid-19 até o momento. Como se espalhou rapidamente por Estados como o Rio Grande do Sul, a partir de novembro do ano passado, e hoje já é predominante nas novas análises, estudos ainda avaliam se ela é mais transmissível do que outras variantes.
Ela tem as mesmas características das variantes de Manaus, da África do Sul ou do Reino Unido, consideradas preocupantes?
A P.2 não é colocada por órgãos internacionais no mesmo patamar de risco que essas três variantes. Ela tem uma mesma mutação que a variante de Manaus (P.1) na parte do vírus que se liga às células, mas a versão amazonense tem outras mutações que até o momento a tornam mais preocupante. Segundo a especialista em saúde da SES Tatiana Gregianini, o Estado ainda não registrou qualquer dessas três cepas.
Essa nova linhagem vista no RS pode escapar das vacinas?
Ainda não há indicação disso. Estudos em laboratório estão em andamento. O virologista Fernando Spilki, coordenador da Rede Corona-ômica que está fazendo uma pesquisa sobre essa possibilidade, diz que há uma impressão preliminar de que as vacinas seguem eficazes contra essa variação.
Onde a P.2 está presente?
A plataforma Pangolin, que recebe contribuições de cientistas de todo o planeta, aponta o espalhamento da P.2 de forma abrangente em pelo menos cinco países: Brasil (de onde vieram 65% das amostras analisadas com essa variação), EUA (11%), Reino Unido (7%), Canadá (5%) e Dinamarca (3%). Dentro do país, a Fiocruz registra sua presença em pelo menos oito Estados: Alagoas, Amazonas, Bahia, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Qual o tamanho da presença dela no Rio Grande do Sul?
A P.2 começou a se disseminar com força a partir de novembro e, mesmo passado pouco tempo, já corresponde a 25% das cerca de 200 amostras analisadas desde o começo da pandemia no Estado. Informações da Rede Corona-ômica apontam que, hoje, já é predominante entre as novas análises genéticas.
Qual a diferença entre mutação, variante, linhagem ou cepa?
Mutação é quando o vírus apresenta um “erro” eventual na transcrição do código genético ao se multiplicar. Segundo o virologista Fernando Spilki, quando uma mesma mutação ocorre com pouca frequência, os vírus com essa modificação são chamados de variantes. Quando se consolida e passa a aparecer em maior quantidade, é considerada uma nova linhagem. Cepa, segundo Spilki, costuma ser utilizada no mesmo sentido de linhagem.