"O plasma está mais vivo do que nunca". A afirmação do bioquímico de Porto Alegre e um dos primeiros doadores de plasma convalescente no Rio Grande do Sul demonstra o que Fabio Klamt e um grupo de médicos querem: que o tratamento beneficie centenas de pessoas acometidas pela covid-19. Klamt é um seguidor atento às pesquisas realizadas pelo mundo em relação ao método alternativo. Em maio de 2020, em plena intensificação de contágio, ele deu o start ao tratamento inicial no Rio Grande do Sul por meio de uma transfusão efetuada por ele no Hemocentro Regional de Caxias do Sul (Hemocs). A doação do bioquímico foi a segunda recebida na cidade e a primeira a apresentar compatibilidade com um paciente. Agora, cerca de nove meses depois, Klamt movimenta a próxima etapa. Ele acredita que as transfusões devam acontecer por meio de anticorpos de pessoas já vacinadas. Com isso, a quantidade obtida em cada transfusão poderá fazer com que o tratamento seja de excelência.
— Teremos tanto anticorpo que o resultado vai ser fantástico, estou super animado! — diz.
Segundo Klamt, ele apresentou a ideia a médicos dos Hospitais de Clínicas, Moinhos de Vento e São Lucas de Porto Alegre; Virvi Ramos de Caxias do Sul e para especialistas de Criciúma (SC). Todos estarão envolvidos na possibilidade de que um projeto com esse teor seja aprovado e obtenha financiamento para pesquisa na prática. De acordo com Klamt, profissionais da linha de frente na área da saúde serão parte inicial e essencial da pesquisa.
— Eu digo que é um consórcio. Precisamos preparar o projeto, organizar a rede, submeter à aprovação e buscar financiamento. Com doadores aptos, que serão profissionais da saúde, teremos basicamente o corpo clínico de um hospital engajado. O jargão que estamos usando é esse: fazer render as doses (de vacinas)— diz.
O motivo para a aposta em pessoas já imunizadas aconteceu após Klamt ter apresentado baixa na quantidade de anticorpos. Isso depois que ele efetuou cinco doações de plasma. O tratamento é baseado em coletar anticorpos de pacientes que já estão recuperados da covid-19. O pesquisador efetuou a doação em maio do ano passado em Caxias do Sul porque o Hemocs no município era o único a contar com a máquina denominada de 'aférese' no Estado. O aparelho é específico para utilização de coleta de plasma. Na ocasião, ele auxiliou o primeiro paciente gaúcho a receber plasma. Foi Tarcísio Giongo, 63 anos, que apresentou melhoras depois disso, saiu da UTI mas cerca de cinco meses depois veio a óbito. Esse é apenas um dos casos que exemplifica uma nova descoberta das pesquisas: não são pacientes em estado grave que devem receber a transfusão.
Mudanças no entendimento do paciente prioritário pausam tratamento em Caxias
Novas pesquisas, realizadas nos Estados Unidos e na Argentina, dão conta de que o tratamento com plasma convalescente tem eficácia em pacientes nos primeiros dias de sintomas. O entendimento vai contra os processos realizados até o momento, quando infectados que já estavam em UTI é que recebiam a alternativa.
— Esses dez meses de pandemia nos prepararam para o momento atual. Com a vacinação, a produção de anticorpos é muito maior. O plasma de vacinados, com certeza, vai ter um poder terapêutico inativador (da doença) muito maior — diz.
O fato faz com que o tratamento em Caxias do Sul tenha sofrido uma pausa. Uma das médicas a frente da proposta quando tudo se iniciou conclui que o pré-requisito para resultado apenas no estágio inicial da doença é um complicador. A médica intensivista do Hospital Virvi Ramos Eveline Correa Gremelmaier começou a reduzir o tratamento em meados de novembro de 2020.
Antes disso, 64 pacientes em situação de UTI entraram para o estudo científico em Caxias. Dentro do grupo, a taxa de mortalidade atingiu 37%. O percentual é menor do que os 50% esperados. De acordo com Eveline, 18% deles não precisaram de ventilação mecânica, o que é um dado positivo, mas nem por isso causa o impacto necessário.
— Os que mais se beneficiaram foram os que receberam mais precocemente, esses não evoluíram mal. Depois do sétimo, décimo dia não há tanto benefício. O limitante é que normalmente o paciente chega com mais tempo de evolução da doença ao hospital. Atualmente, temos feito pouco (plasma convalescente). Reduzimos porque após essa análise soubemos que o foco seria nos primeiros dias — explica.
Ainda assim, é possível fazer o tratamento caso a família demonstre o desejo.
— Se o paciente estiver no início dos sintomas e com chances de piorar, a família aceitando, dá para fazer. Mas não tem sido realidade. Nosso público são pacientes que chegam com mais de sete dias de contágio — cita.
O estudo foi concluído e faz parte de uma tese de doutorado da coordenadora do serviço de controle de infecção hospitalar do Virvi Ramos, Andrea Dal Bó. Há uma autorização da Anvisa para uso de plasma e, por isso, não há necessidade do método estar atrelado a estudos. Basta o médico solicitar. O formato é chamado de uso compassivo, quando ocorre fora de estudos oficiais. O fato ocorre porque não há contraindicação para a transfusão.
— O plasma realmente tem uma resposta, mas no início e com o paciente recebendo altos títulos de anticorpos. O lugar do plasma hoje é antes da UTI — diz.
Hemocs disponibilizou mais de 270 bolsas de plasma e tem estoque
O balanço do Hemocentro de Caxias do Sul sobre a coleta de plasma em 2020 é de 272 bolsas de plasma convalescente distribuídas. Ainda constam no estoque 84, até esta quarta-feira (3). Conforme a bioquímica do Controle de Qualidade do Hemocs, Cristina Lizot, houve uma baixa nos pedidos de hospitais. No auge da esperança pelo tratamento, o Hemocs chegou a fechar parcerias com hospitais de outras regiões para encaminhar bolsas de plasma e precisou realizar triagem de interessados em doar.
— Hoje temos um banco de doadores robusto e estoque ok, mas baixou a demanda — diz.