Uma rede de monitoramento formada por laboratórios e universidades já identificou pelo menos 12 linhagens diferentes do coronavírus no Rio Grande do Sul desde o começo da pandemia.
A conclusão faz parte do primeiro “boletim genômico” produzido pela Secretaria Estadual da Saúde (SES) — estudo recém-concluído que reúne algumas das principais descobertas sobre as mutações sofridas pelo vírus da covid-19 em solo gaúcho.
O levantamento cita até 19 linhagens já observadas, mas, conforme a especialista em saúde do Laboratório Central do Estado (Lacen, ligado à SES) Tatiana Schäffer Gregianini, ainda há “redundâncias de classificação”.
— Avaliamos que é mais adequado considerar o número de pelo menos 12 linhagens — explica Tatiana, responsável pelo diagnóstico do coronavírus no Lacen.
Essa quantidade de variações, comparada a um banco de dados montado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), deixa os gaúchos na terceira posição do ranking nacional por Estado. Mas o Rio Grande do Sul também é o terceiro em relação à quantidade de amostras analisadas, com 200 genomas sequenciados, o que facilita a descoberta dessas modificações por meio do sistema de vigilância em saúde.
À frente do Rio Grande do Sul estão os Estados de São Paulo, com 26 novas formas do coronavírus documentadas (veja a relação completa no gráfico abaixo), e Rio de Janeiro, com 16 até a tarde desta terça-feira (2). Essas alterações são comuns ao longo de epidemias, e maioria delas não traz impacto à saúde pública. Algumas, porém, despertam a atenção de especialistas pela possibilidade de serem mais transmissíveis ou virulentas.
A mais preocupante no país hoje é a chamada P.1, identificada em Manaus e associada à ressurgência da doença no Amazonas. Junto com outras variantes identificadas na Inglaterra e na África do Sul, é o trio que causa maior temor entre especialistas atualmente no mundo.
Como essas cepas ainda não foram observadas no Rio Grande do Sul, a maior razão de alerta entre os gaúchos é conhecida como P.2. Identificada originalmente no Rio de Janeiro, rapidamente se tornou uma das versões mais frequentes da covid-19 no Estado — começou a ganhar força a partir de novembro do ano passado e já corresponde a 25% de todas as amostras analisadas, conforme o boletim da SES.
— Começou a surgir em novembro, teve um aumento significativo e se manteve — afirma o especialista em Saúde do Lacen Richard Steiner Salvato.
Levando-se em conta todas as análises realizadas desde o começo da pandemia, a nova cepa fica em terceiro lugar entre as mais comuns, atrás de outras duas modificações (B.1.1.33 e B.1.1.28) que ainda são dominantes no cenário nacional. Segundo o virologista e professor da Feevale Fernando Spilki, porém, a P.2 já é predominante nos novos sequenciamentos genéticos realizados no Estado.
— A que mais preocupa entre as linhagens em circulação é a P.2, do Rio de Janeiro, porque tem uma mutação na espícula (que ajuda a ligar o vírus às células). Ainda estamos investigando se os anticorpos de pacientes dão proteção contra ela, que se disseminou muito. Hoje, é majoritária no Rio Grande do Sul — afirma Spilki, que coordena a Rede Corona-ômica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (dedicada a rastrear mutações do coronavírus no país).
Salvato reforça que, até o momento, não há análises conclusivas sobre a cepa que vem ganhando força no Sul.
— Cada uma dessas linhagens tem mutações específicas. A P.2 tem mutações que podem estar associadas a uma maior transmissibilidade, mas ainda não temos estudos sobre isso. Apenas sobre a P.1, de Manaus — diz o especialista da SES.
Estado pretende reforçar vigilância sobre variações
O Rio Grande do Sul conta hoje com três redes principais de monitoramento de possíveis modificações do coronavírus. Há planos para reforçar a vigilância genética local sobre a covid-19, mas o projeto esbarra em dificuldades, como a compra de insumos caros e escassos no mercado internacional.
Uma dessas redes está vinculada ao Ministério da Saúde, outra ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, e uma terceira é uma estrutura temporária montada pelo Ministério da Saúde para reforçar a busca por novas cepas do coronavírus do país. Além disso, há instituições que fazem sequenciamento de amostras do vírus de forma independente, como universidades.
As informações são enviadas para bancos de dados nacionais e internacionais. No Rio Grande do Sul, o controle é feito por meio do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (CEVS). A vigilância epidemiológica dos municípios envia amostras de exames de pacientes, o CEVS seleciona parte deles por critérios como localização geográfica, gravidade do caso e idade e reencaminha para a Fiocruz, no Rio de Janeiro, para o sequenciamento genético. O resultado costuma sair em uma semana.
— Pretendemos começar a fazer esse sequenciamento por aqui. Temos equipes treinadas, mas ainda precisamos adquirir insumos que estão com uma demanda muito alta no mundo inteiro, o que dificulta — diz o especialista em Saúde do Laboratório Central do Estado (Lacen), ligado ao CEVS, Richard Steiner Salvato.
Enquanto não há prazo para isso ocorrer, o número de amostras remetidas mensalmente para análise aumentou de 10 para mais de 40 nos últimos meses. A rede vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, coordenada nacionalmente pelo virologista da Feevale Fernando Spilki, também pretende reforçar o monitoramento.
— Sequenciamos entre cem e 200 amostras por semana em todo o país. Queremos ampliar para algo em torno de mil. A maior dificuldade é aumentar a quantidade de insumos, que são caros, cotados em dólar — diz Spilki, lembrando que parte do material é analisada no laboratório da própria Feevale, em Novo Hamburgo.
Já o projeto temporário do Ministério da Saúde, previsto para durar pelo menos 16 semanas, se chama Estruturação da Rede Nacional de Sequenciamento Genético para a Vigilância em Saúde. Por esse caminho, que conta com quatro laboratórios de referência no país, são processadas três amostras de cada Estado por semana.