A multiplicação descontrolada do coronavírus em boa parte do planeta resultou em outra forma de disseminação: a de termos até então pouco usados pelo público leigo em virologia, como mutação, variante, linhagem ou cepa.
Muitas vezes utilizadas como sinônimos, essas palavras têm significados ligeiramente diferentes que facilitam o entendimento e a descrição do grande número de mudanças já sofridas pelo micro-organismo que provoca a covid-19. Uma plataforma alimentada por cientistas do mundo inteiro já cadastrou mais de 800 linhagens diferentes do chamado Sars-CoV-2 desde o começo da pandemia.
Segundo o professor de Doenças Infecciosas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e infectologista do Hospital de Clínicas Luciano Goldani, é normal que os vírus apresentem variações — principalmente quando proliferam de forma frenética.
— O coronavírus tem até mais dificuldade de desenvolver mutações do que o influenza (causador da gripe), por exemplo. Mas está se replicando em tamanha quantidade que isso também está ocorrendo muito — diz Goldani.
Essas transformações acontecem porque, quando o vírus se multiplica, por vezes há falhas aleatórias na cópia do código genético (veja mais no vídeo logo abaixo). Esses “erros” de origem natural são chamados de mutações. Por vezes, podem não ter impacto prático para o vírus. Em outras situações, podem até prejudicá-lo – nesse caso, a tendência é de que os portadores dessa mutação tenham mais dificuldade para sobreviver, e ela acabe desaparecendo.
Em outras situações, a modificação pode representar uma vantagem (deixar o vírus mais infeccioso ou resistente, por exemplo). Sob essa condição, a tendência é de que o vírus tenha mais chance de passar aquela mutação específica adiante.
Segundo o professor de Virologia da Universidade Feevale Fernando Spilki, quando uma mesma mutação começa a ser encontrada repetidas vezes, mas com frequência ainda relativamente baixa, é chamada de variante. A denominação muda à medida que essa variação se torna mais comum.
— O vírus pode evoluir e gerar alguns genomas que começamos a encontrar, de início, com baixa frequência. Até aí chamamos de variante. Quando for mais numerosa, encontrada em diferentes locais e de forma consistente, dizemos então que se trata de uma nova linhagem — explica Spilki.
O professor da Feevale observa que o termo “cepa” costuma ser utilizado como sinônimo tanto de variante como de linhagem, mas tem um significado mais preciso.
— Esporadicamente, se usa no sentido de variante também, mas ele equivale à linhagem — observa o pesquisador.
Plataforma cadastra centenas de novas formas do vírus
Uma plataforma digital chamada Pangolin, que recebe contribuições de cientistas de todo o planeta, até esta quarta-feira (10) já registrava pelo menos 869 diferentes linhagens de coronavírus sequenciadas em dezenas de países desde o começo da pandemia, no início do ano passado.
Um número elevado de novas cepas pode ser indicativo de descontrole da doença. Além disso, é importante monitorar o surgimento dessas novas versões do vírus para identificar possíveis formas mais transmissíveis ou violentas.
De toda essa variedade genética, apenas três variações seguem despertando preocupação de autoridades e especialistas pelo potencial de serem mais transmissíveis ou capazes de escapar ao menos parcialmente da proteção proporcionada por anticorpos: as conhecidas pelas siglas B.1.1.7 (origem na Inglaterra), B.1.351 (África do Sul) e P.1 (Brasil, com origem em Manaus).
— A grande dúvida é se, além de se replicarem mais, essas linhagens causam uma forma mais grave da doença. Isso ainda está em aberto. Outra questão é se responderiam às vacinas atuais. Já se demonstrou que algumas vacinas podem ser menos efetivas — observa o infectologista do Hospital de Clínicas Luciano Goldani.
Uma das linhagens que vem ganhando espaço no Rio Grande do Sul, denominada de P.2, segue sob estudo na Rede Corona-ômica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. O objetivo é demonstrar se essa variação do coronavírus consegue escapar com mais facilidade do que outras de anticorpos.