Na última rodada do Modelo de Distanciamento Controlado, do governo estadual, Caxias do Sul escapou por pouco da classificação de altíssimo risco de contágio pela covid-19. Na avaliação da infectologista Andréa Dal Bó, integrante do Comitê de covid-19 da Sociedade Riograndense de Infectologia, Caxias do Sul "deveria estar em lockdown". Isso porque a média do município, a partir dos indicadores do modelo, é de 2,49. Ou seja, a cidade ficou a 0,01 de ser classificada como bandeira preta, onde as restrições são as mais severas impostas às atividades econômicas.
A especialista explica que, em função do alto volume de notificações de novos casos, há atraso nos dados estaduais, que acabam sendo parciais. Talvez, por isso, o município não tenha alcançado a marca para a classificação de risco altíssimo de contágio. Mas, na prática, essa já é a realidade instalada.
– Estamos caminhando para um lockdown. E vou dizer que já vamos tarde. Não temos mais leitos nos hospitais, não temos mais profissionais da saúde para atender, os que existem estão estafados, exaustos. Vamos caminhar para o colapso do serviço funerário porque nossa média móvel de óbitos vem em crescimento. Paralelo a isso, temos ocupação beirando 100% tanto de leitos de UTI quanto de enfermaria. As pessoas não vão ter mais acesso ao hospital e isso vai gerar óbitos em domicílios. Já estamos no colapso hospitalar e, após, é o colapso do sistema funerário. Estamos evoluindo para isso se algo não for feito – avaliou a infectologista.
Para a especialista, a cidade deveria determinar fechamento total de atividades como houve no início da pandemia, em março, quando apenas serviços essenciais foram permitidos. Isso deveria ser feito, pelo menos pelo período de 14 dias, sem necessidade de impedir a circulação de pessoas nas ruas, mas restringindo. Esse prazo leva em conta que o tempo da infecção até que a doença se manifeste que pode ser de duas semanas.
No cenário atual, cabe à população evitar o agravamento da situação, porém as pessoas não estão cumprindo as medidas de prevenção, segundo a médica. Isso faz com que fique com o poder público a decisão por medidas extremas de controle.
– As pessoas se aglomerando, fazendo festas clandestinas, famílias inteiras indo ao supermercado, esse tipo de comportamento que a população precisa mudar. A gente sabe o que funciona (para evitar a disseminação), é uso da máscara de forma correta, distanciamento social, as festas de Natal e Ano Novo que sejam somente entre pessoas que vivem no mesmo domicílio. Se não fizermos algo agora, será muito pior daqui a duas semanas. Não vejo outra alternativa se não fazer como foi no início, que foi o que surtiu efeito e segurou a covid por um bom tempo – pondera Andréa.
Caxias adotou mais medidas restritivas nesta terça, com publicação de novo decreto, para evitar o lockdown. Mas, segundo a prefeitura, essa é uma avaliação constante do Gabinete de Crise. Se não houver diminuição da movimentação social, medidas mais severas podem ser tomadas.
Prefeitura de Pelotas fechou atividades pela terceira vez no ano
Depois da chamada quarentena no começo da pandemia, a prefeitura de Pelotas determinou fechamento de atividades não essenciais por outras duas vezes neste ano por meio de decretos municipais. O primeiro chamado lockdown foi em 8 de agosto, na véspera do Dia dos Pais. A medida incluiu os supermercados e o transporte público e proibiu a presença das pessoas em praças e parques e, até mesmo, a circulação nas ruas da cidade. Depois de decisão do Tribunal de Justiça, a circulação foi liberada.
Mesmo assim, a população atendeu ao apelo da prefeitura e praticamente não saiu de casa por um período de dois dias e 16 horas, da noite do sábado, dia 8, até o meio-dia da terça-feira seguinte, dia 12 de agosto. Houve reforço na fiscalização com a Guarda Municipal, Brigada Militar (BM), Polícia Civil, Corpo de Bombeiros e agentes de trânsito espalhados pela cidade. Foram montadas barreiras nas vias principais. Todos os veículos eram abordados e os motoristas precisavam justificar os motivos para estar na rua.
O momento era parecido com o que Caxias vive atualmente: pressão sobre o sistema de saúde, com uma ocupação das UTIs beirando os 90% e número crescente de mortes. A prefeita Paula Mascarenhas (PSDB) diz que nenhum município tem a receita para passar para outro, porque cada um tem um perfil e o gestor público toma as decisões estudando esse perfil. Ela conta que mesmo tendo adotado medidas de prevenção e de estruturação de rede de saúde, Pelotas chegou a atual situação que é de bandeira preta.
– Agi, durante todo esse ano, olhando para os números, ouvindo o que diz a ciência, dialogando com todos os segmentos e olhando para o comportamento da cidade. Fiz aquele lockdown porque senti que a população estava um pouco mais relaxada e foi positivo. Agora, o número de leitos diminuiu pela metade, a incidência está mais forte e rápida. Chegamos a ter que transferir pacientes para outros municípios. Aí me dei conta: não temos vacina, não temos leitos para oferecer, não temos médicos. A solução não é empilhar gente no hospital. A solução foi fazer de novo uma chamada para a população – comentou a gestora municipal, sobre a decisão de um segundo lockdown.
Apelo à população
A prefeita foi para as redes sociais conclamar a comunidade. Fez uma transmissão dizendo saber que o mês de dezembro é o mais importante para o comércio, mas que a cidade beirava o colapso e precisava da colaboração de todos para fechar as atividades de novo. Desta vez, a parada ocorreu das 19h da última quinta-feira até as 6h de ontem, e não foi tão rígida quanto a primeira. Telentrega foi mantida. Agora, a prefeitura ampliou o horário de abertura do comércio, mas determinou fechamento em domingos e segundas-feiras.
– Estamos fazendo um exercício, que esperamos que dê certo. A ciência chegou a dizer para fechar tudo por 14 dias, mas não fiz isso porque tenho consciência de que seria demais para a sociedade. Temos esse diálogo porque precisamos do engajamento da população – pondera a prefeita.
Vacaria adotou toque de recolher
Há duas semanas, Vacaria , nos Campos de Cima da Serra deparou com a lotação máxima no Hospital Nossa Senhora da Oliveira, tanto de leitos de UTI quanto de enfermaria e a necessidade de transferir pacientes. Diante da situação – 28 mortes e 609 moradores em isolamento domiciliar – e do número crescente de casos positivos para a covid-19, a prefeitura decidiu estabelecer toque de recolher, entre às 22h e às 6h, e multa de R$ 200 para quem circular nas ruas da cidade fora do horário permitido ou não usar máscara em via pública. Só pode estar na rua quem estiver trabalhando, e essa pessoa precisa comprovar que está se deslocando para o trabalho ou retornando.
– Chegamos em um ponto que nosso hospital estava completamente lotado. Tivemos que tomar medidas mais severas para tentar conter (o vírus). Fizemos uma conferência da semana epidemiológica 50 (semana passada) e tivemos uma boa queda, depois da semana 49 que foi nosso pico. Caiu praticamente pela metade o número de confirmados da semana. Vamos ver se vai se manter – disse o secretário de Saúde do município, Márcio Tramontina.
De olho nas festas de Final de Ano e na colheita da maçã, que traz muitas pessoas a Vacaria, o toque de recolher segue por tempo indeterminado.