Moradores da Serra Gaúcha que viajariam para destinos nacionais e internacionais tiveram o sonho de férias tranquilas frustradas após o fechamento da Personale Viagens e Turismo, em Caxias do Sul. Desde o início da semana, clientes da agência não conseguem mais contato com a empresa. Além das portas fechadas na sede no loteamento Sanvitto, ninguém atende a ligações e aplicativos de mensagens foram desativados. Em consulta ao site da Receita Federal, consta que a empresa abriu oficialmente em novembro de 2016 e ainda tem o CNPJ ativo.
Um grupo de 22 pessoas que sairia ontem de Bento Gonçalves para uma viagem a Maragogi, em Alagoas, está entre os lesados. O voo estava marcado para as 5h30min em Porto Alegre, mas os clientes da Personale não receberam os cartões de embarque. Na semana passada, a agente de turismo que tinha vendido o pacote saiu do grupo de WhatsApp de troca de informações sobre a viagem. Após tentativas de contato com a agente por telefone, os clientes procuraram a Visual Turismo, uma parceira da Personale. Sem conseguir resolver emitir os vouchers, os moradores da Serra decidiram nem fazer o deslocamento até Porto Alegre.
Proprietário de uma marcenaria, Gilberto Lemos faz parte do grupo e viajaria com a família. O pacote custava cerca de R$ 4 mil por pessoa, valor que Lemos considerou pouco abaixo do mercado e que não levantou suspeitas de um possível golpe.
— Quanto à questão preço, a diferença existe, uma pequena diferença. A única diferença do preço mesmo seria o translado de Bento a Porto Alegre. Essa é a maior diferença só. Mas o preço estava muito parecido com o preço de mercado, por isso ele não despertou nenhuma desconfiança em nós nesse sentido — explica.
Até o final da tarde de quarta-feira, o caso de Lemos era o único registrado em Bento Gonçalves. A viagem foi fechada com os integrantes do grupo e a representante da empresa caxiense na casa de um dos contratantes, no bairro São Roque. A viagem que ocorreria de 5 a 12 de fevereiro acabou sendo cancelada por não ter pacote aéreo e nem as reservas do hotel realizadas pela empresa. De acordo com o delegado plantonista, Arthur Reguse, o caso foi registrado como estelionato e será encaminhado para a 1ª Delegacia de Polícia do município.
— A delegada responsável (Maria Isabel Zerman Machado) definirá se o inquérito será instaurado aqui ou se vai ser encaminhado para Caxias do Sul — declarou Reguse.
Os clientes da Personale ouvidos pela reportagem dizem que outros prejudicados estão relatando suas histórias em redes sociais e buscando a polícia para o registro de ocorrência.
"Deixamos de fazer algo nas férias e agora ficamos sem nada"
Assim como o empresário Gilberto Lemos, a corretora de imóveis Leda Maria Betineli já tinha viajado com a Personale anteriormente. Em abril, aproveitaria as águas claras de Punta Cana por oito dias com outros 12 amigos. O pacote de R$ 4,3 mil estava sendo parcelado desde agosto e, agora, a tentativa é de suspender os pagamentos, também por meio da Visual Turismo. Pelas experiências anteriores, Leda se surpreendeu com o sumiço dos responsáveis pela agência de viagens.
— Seria a terceira viagem que eu faria com eles. Eu já viajei para Porto de Galinhas duas vezes com eles e, assim, eles eram desorganizados, mas nunca deu problema de chegar e não ter reserva. Só que dessa vez, eles fecharam as portas, simplesmente sumiram — conta.
Desde julho de 2019, a prestadora de serviços Enia Pagnussat, que também integra o grupo de Leda, estava pagando as parcelas do pacote para ela e os dois filhos de nove e 12 anos. Para quitar o valor total de R$ 9.965, ela diz que faltavam apenas três parcelas de R$ 960, uma delas com vencimento neste dia 5 de fevereiro.
— Eu procurei a Visual Turismo que é beneficiária das prestações e eles me orientaram a pagar para evitar a dívida, garantindo que posteriormente devolverão o valor. O banco também me orientou a pagar, mas ainda não sei o que vou fazer — declarou Enia no final da tarde desta quarta-feira.
A viagem marcada para abril seria, para a família dela, uma forma de comemorar o aniversário dos dois filhos.
— Deixamos de fazer algo nas férias escolares para celebrar nesta viagem, agora ficamos sem nada.
Frustração e incerteza sobre valores pagos
Entre os relatos de quem comprou pacotes com a empresa, a principal queixa é pela decepção das crianças que estavam prontas para aproveitar as férias. O vendedor Iraci Júnior Fernandes de Lorenzi, que mora em Flores da Cunha, embarcaria para Salvador neste sábado com a esposa, outros dois casais e três crianças. No total, o pacote custou cerca de R$ 25 mil, que estavam sendo pagos desde a metade do ano passado. Na terça-feira, dia 4, quando seriam retirados os vouchers para a viagem, as portas fechadas da Personale interromperam as expectativas de momentos tranquilos em um dos destinos turísticos mais procurados do país.
— É frustrante porque a gente tinha programado essa viagem há seis meses. A ideia era descansar, desestressar, essas coisas todas... O ano estava sendo desgastante, é férias das crianças no colégio, até outra filha nossa acabou conseguindo férias, "forçou" um pouco para conseguir férias com a família e passar alguns dias juntos, descontraídos, e aconteceu isso aí. É frustrante — desabafa.
A Visual Turismo informou, por meio de nota, que descredenciou a Personale e orientou os clientes a entrar em contato com a empresa pelo e-mail suportepoa@visualturismo.com.br.
O delegado regional interino da Polícia Civil, Vitor Carnaúba, informou que tanto os casos de Caxias quanto os que forem registrados em outras cidades serão apurados pela 2ª Delegacia de Polícia (2ª DP) de Caxias, uma vez que a Personale está localizada na área de abrangência da DP. Na tarde de ontem, a delegada responsável, Thaís Postiglione Peteffi, disse que, por enquanto, não irá se manifestar a respeito do caso.
CONTRAPONTOS
A reportagem tentou contato com a Personale por telefone ao longo desta quarta-feira, mas ninguém atendeu às ligações.
O que diz a Visual Turismo:
“Em resposta à sua solicitação, é importante esclarecer que a agência denominada Personale intermediava serviços de diversas agências, operadoras e também vendia diretamente para o consumidor.
Nos casos de vendas que foram intermediadas para a Visual Turismo (ou seja, que o cliente já escolheu no ato da compra na Personale um produto da Visual Turismo), a Visual Turismo informa, por meio de sua assessoria de imprensa, que orienta esses clientes a enviarem o comprovante de pagamento e o contrato, para suportepoa@visualturismo.com.br, para verificar se a reserva foi repassada.
A Visual Turismo descredenciou a agência Personale assim que a fraude foi identificada, por uso fraudulento de sua marca, envolvendo falsificação de documentos e venda de viagens e reservas inexistentes.”
*A nota de posicionamento da Visual Turismo foi atualizada no dia 7 de fevereiro de 2020.