Sentados no sofá, os alunos da Profe Nil, como eles mesmos a chamam a Nilcéia Kremer, estão de olhos vidrados. Porque Nil não apenas diz um poema, mas recita, com o peso e o vigor de interpretação que pede o texto de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). É um choque recitar poesia em sala de aula, porque vive-se um tempo em que nossos olhos estão embotados de cimento e lágrima. Assim como é um choque um professor que demonstra afeto pelo aluno.
— A Nil é uma professora que se importa com o aluno, ela olha pra gente e sabe quem está bem ou mal. Ela não é uma professora que está ali para dar o conteúdo e ir embora. Isso é um dom que ela tem — revela Sofia Rebechi, 17, ex-aluna de Nil.
No segundo semestre deste ano, Sofia começa a cursar Direito, em Porto Alegre, mas, inspirada pela professora, leva na bagagem um sonho, ainda tímido:
— Tenho o sonho de trabalhar com arte, de desenhar, de pintar, e quero fazer teatro em Porto Alegre. A Nil é a minha inspiração — diz, como quem conta um segredo.
Sofia inspira-se na Nil, porque além de professora, ela poetiza na literatura e nos palcos, dançando e interpretando. Nil foi a vencedora do Concurso Literário de Caxias do Sul, em 2018, na categoria poesia. Será que em 2019, será a vez da Sofia? Quem sabe.
— A nossa relação não é de professor e aluno, porque a faz parte da nossa turma — revela Luiza Focking Tochetto, 13.
Nil, com sutileza e convicção, mostra que é possível dar conta do conteúdo e dar conta de parar tudo o que está por fazer e ouvir os dramas típicos da adolescência.
— Ela deixa a gente contar nossos segredos pra ela... — diverte-se, Cecília Bastos, 13.
Mas em que medida esse afeto pode contribuir em sala de aula?
— O afeto é fundamental. Sem afeto, sem zelo pela vida de cada um dos alunos, não tem processo educativo. Porque cada um deles é um universo super complexo, que tu vai descobrir ao longo do caminho na relação com eles e no contato com os pais — argumenta Nil.
Nas aulas da Nil, dizem os alunos, é como se ela estivesse entre eles, é como se ela quebrasse a quarta parede. No teatro, a quarta parede é como se fosse um muro imaginário que separa a plateia passiva diante do espetáculo. Esse distanciamento, essa posição de hierarquia do professor que fala e o aluno que só recebe a informação, deve ser transposto, acredita a professora:
— Eu acho que essa posição mais tradicional provoca estranhamento e afastamento do conhecimento. Eu não trabalho assim, eu negocio com eles — explica, debruçando-se sobre a mesa, como quem revela sua estratégia.
Nil continua:
— Por exemplo, eles vão fazer uma resenha crítica, que é parte do conteúdo. Querem fazer sobre um livro ou um filme? A maioria escolheu fazer sobre um filme e vibraram: "yeah!" Eu sei que eles vão fazer com entusiasmo, porque vão fazer sobre algo que eles escolheu — observa.
Nil explica que estabeleceu critérios na escolha dos filmes, como faixa etária e não poderia conter cenas inapropriadas, mas entende que essa simples alternativa faz com que eles se abram com mais facilidade ao conteúdo. Primeiro, porque escolheram algo que lhes diz respeito, e segundo, porque se sentem participantes do processo educacional.
— A educação é muito mais do que a transmissão do conhecimento. Dá trabalho, mas eu amo, enfim — sintetiza, como quem faz poesia enquanto dá aulas.