O português José Pacheco será uma das atrações do 3º Congresso Nacional de Espiritualidade, que ocorre no UCS Teatro, dia 4 de maio, em Caxias do Sul. O educador é responsável por um projeto ousado, a Escola da Ponte, desenvolvido em Portugal, que contempla três dimensões curriculares:
— A subjetiva, a comunitária e a da consciência planetária (ou universal), para que a aprendizagem aconteça com o desenvolvimento do pensar, com a formação do caráter e o exercício da cidadania — explica.
Confira a seguir a entrevista na íntegra:
Pioneiro: De um modo geral, qual é o perfil das escolas?
José Pacheco: A quase totalidade das escolas tem as suas práticas no paradigma da instrução, no que poderemos designar por proto-história da educação. E são escassas as escolas cujas práticas oscilam entre o paradigma da instrução e o da aprendizagem, estacionadas em propostas do início do século 20, na pré-história da educação.
Pioneiro: Como isso se dá em sala de aula?
José Pacheco: Em suma: temos alunos do século 21, professores do século 20, a trabalhar como no século 19. Introduzir paliativos num modelo falido nada resolve. Urge conceber uma nova construção social de educação.
Pioneiro: Como o senhor avalia a pressão sobre o professor por cumprir currículos?
José Pacheco: O professor começa a ser considerado o bode expiatório de um modelo educacional obsoleto. Não faz sentido falar de "cumprir com o conteúdo e passar os alunos para o próximo ano". Necessário é criar condições de reelaboração da cultura pessoal e profissional dos professores.
Pioneiro: Então é mais do que transmitir conhecimento?
José Pacheco: Não existe "transmissão de conhecimento". Onde a aprendizagem realmente acontece, existe produção de currículo, partilha de conhecimento. Professor não "transmite" conhecimento". Não transmite aquilo que diz. Transmite aquilo que é. A aprendizagem é "antropofágica". Não aprendemos o que o outro diz. Aprendemos o que o outro é.
Pioneiro: Qual projeto no Brasil o senhor destaca?
José Pacheco: Todos os projetos, que acompanho no Brasil e em outros países, têm a arte como área central. Por exemplo: o espaço central do Projeto Âncora, em Cotia (São Paulo) é uma tenda de circo, onde o encontro acontece e a sensibilidade se revela. Integramos saberes, práticas sociais e manifestações artísticas das comunidades, no contexto das comunidades, pois não temos salas de aula… Contemplar a multidimensionalidade do ser humano, uma educação integral é incompatível com o trabalho em sala de aula.
Pioneiro: Qual foi o maior o desafio da Escola da Ponte?
José Pacheco: Quando fiz as primeiras intervenções públicas, mais do que dizerem que o projeto era um arroubo de jovem professor, diziam-me que, quando eu fosse mais velho, iria ganhar juízo. E os detratores agiram de forma violenta e explícita.
Pioneiro: Como assim?
José Pacheco: Um dia, talvez eu conte a história da Escola da Ponte. Ela foi feita de sofrimento e resiliência. No decurso de mais de quatro décadas, foram muitas as ações da maldade humana dirigidas contra a Ponte. Da destruição da nossa horta à destruição do hospital de animais, que as crianças cuidavam com tanto desvelo, ações levadas acabo por criminosos a soldo de políticos locais, que pintaram com o sangue das vítimas na parede da escola: "Morte ao professor". Do lançamento de panfletos, na calada da noite, contendo acusações falsas, até à publicação de boatos em jornais. Do terrorismo verbal, via telefone, até à agressão física. O sofrimento maior foi termos descoberto que muitos desses ataques eram provenientes de escolas próximas. Apercebemo-nos de que o maior aliado de um professor é o outro professor, mas, também, de que o maior inimigo de um professor, que ouse fazer diferente para melhor, é o professor da escola do lado.
Pioneiro: Para o senhor, há um modelo ideal de educação?
José Pacheco: Não existe um modelo ideal. Apenas poderei formular algumas sugestões.
Pioneiro: E quais seriam?
José Pacheco: Substituir a reprovação pela prática de uma avaliação formativa, contínua e sistemática, alinhada com a aprendizagem, suprimindo o uso de provas, que pouco, ou mesmo nada avaliam. Fundamentar as práticas em um novo paradigma educacional, que garanta a todos os brasileiros o pleno acesso a uma educação integral, uma aprendizagem para além do domínio cognitivo, contemplando o desenvolvimento no domínio pessoal e sócio moral. Requerer das escolas a definição de uma matriz axiológica clara, baseada no saber cuidar e conviver, em um novo sistema ético, porque os projetos humanos contemporâneos não se coadunam com as práticas escolares que ainda temos. Apoiar a redefinição do papel do professor, na transição entre o modelo tradicional e uma profissionalidade assente na prática da mediação pedagógica, assegurada pelo professor "designer educacional", cocriador, através de projetos de produção de vida e de sentido para a vida. Exigir que seja respeitada a diversidade, na prática de uma gestão curricular diferenciada, constituindo-se a escola em locus de humanização e oportunidade de inclusão. Rever criticamente os indicadores tradicionais de avaliação da qualidade da educação, identificar, inventariar e testar indicadores de boa qualidade da educação, base da definição de diretrizes de política pública.