"É preciso saber viver". A letra da música composta por Roberto Carlos e Erasmo Carlos, em 1974, fala sobre as escolhas que fazemos no presente e que irão refletir diretamente no futuro. Além disso, valoriza em palavras e melodia a importância da capacidade de ultrapassar os desafios da vida.
Esse é o lema do seu Itamar Luiz França. Aos 84 anos, ele supera diariamente etapas importantes em busca de um sonho que estava adormecido há algumas décadas: tornar-se faixa preta, a mais alta graduação do judô.
Nem mesmo e o envelhecimento natural do ser humano muda a disposição de seu Itamar, que treina cinco vezes por semana na academia de judô Torino. Após uma pausa de aproximadamente 40 anos, enfim, a trajetória terá a realização de um sonho. Uma lesão no ombro interrompeu o processo para conquistar a faixa preta na época. No entanto, sua história na modalidade foi reiniciada em 2023 com o objetivo sendo a graduação tão esperada. O sensei Matheus Cunha, 44 anos, foi aluno de Itamar na faculdade de direito. Agora, os papéis se inverteram.
— Convivemos juntos um semestre inteiro. Ficou aquela amizade. Fui recebido de braços abertos. É um esporte que se pode fazer sorrindo. A disciplina é muito importante. O respeito aos mais graúdos e mais velhos. É algo que me encantou muito. Entre 30 e 40 anos, eu pratiquei bastante. Voltei, agora, para conquistar minha faixa preta — comentou seu Itamar.
— No Judô, a gente respeita muito quem vem antes. O professor Itamar começou o judô antes de mim. A minha graduação hoje é maior, mas o respeito permanece, porque essas pessoas sustentaram o judô aqui em Caxias do Sul. A turma do professor Itamar teve papel determinante. Teve um hiato aqui e Caxias ficou sem professor. Eles foram buscar estudos para ter professor. Até eu vir, eles sustentaram — avaliou o sensei Matheus Cunha.
Seu Itamar nasceu em Flores da Cunha, mas se mudou para Caxias do Sul aos quatro anos de idade. Tornou-se cidadão caxiense e cidadão honorário, em homenagens da prefeitura e da Câmara de Vereadores. Agora, a próxima conquista será na modalidade que tanto ama. No dia 18 de novembro, ele participará de um curso de técnicas de judô (40 delas são em pé e 32 no solo) e assim espera confirmar a sonhada faixa preta.
Para alcançar essa graduação, além de atleta e competidor, precisa fazer curso de arbitragem e arbitrar como voluntário. Além disso, precisa ministrar e dar aula, fazer curso de apresentação, de primeiros socorros, e de técnicas do judô, ser voluntário nas competições e na organização. Ao todo são sete cursos.
— Eu estava pronto para fazer o exame para a faixa preta. Fiz três exames. No quarto, tive uma lesão no ombro. Não pude fazer no dia seguinte e deixaram para um ano depois. Eu fiquei magoado. A Federação Gaúcha entendeu na ocasião que deveria ser assim. Agora, é diferente. Eles estão muito acessíveis. Sou muito prestigiado pelo meu sensei e meus irmãos judocas que me tratam muito bem — comentou seu Itamar.
O QUE REPRESENTA O JUDÔ
Em outubro, seu Itamar completará 85 anos. Um mês depois, se tornará um faixa preta. O judô é mais do que uma modalidade. É algo fundamental para a saúde física e mental dele. Ele recebe alguns cuidados especiais. Na sua chegada à academia é aferida a pressão. Tem toda uma equipe esperando. Desde a carona do sensei Jorge, a bombeira civil e professora Anelise. O professor Itamar serve de exemplo para os candidatos a faixa preta. São 116 no Estado e ele é um deles.
— É um gesto de rebeldia contra o envelhecimento. O judô é um desafio grande. É um peso que se carrega, mas ele fica leve com toda a turma no dojô. Os cuidados e o carinho que todos têm comigo deixa fácil. Eu vou, porque é bom. Eu tenho o direito de não fazer nada, porque sou aposentado. Mas o desafio é maravilhoso. O melhor está por vir — disse Itamar que completou:
— Eu pensava que estava tudo arquivado já. O Matheus teve o atrevimento de me convidar para buscar a faixa preta. Era tudo que eu queria. Estou me atirando com gosto. Alguma dificuldade física é normal, porque eu tenho 84 anos. Faço 85 em outubro. A gente remoça. Quando chego lá, eu sei que tenho 84 anos, mas nos treinos e rituais do judô, eu me sinto um daqueles que estão lá, com igualdade perfeita. Sou tratado como colega. Não me segregam por ser um senhor de idade.
— Como o tempo passa, que passe fazendo judô. A gente gosta muito dos mais antigos, um olhar de mais experiências. O judô é bem democrático. O judô é para quem quer competir, demonstrar ou ensinar. Existe judô para todo mundo — afirmou Matheus.
Agora, até novembro, são os cursos de reciclagens de árbitro e o certificado de árbitro. São quatro cursos e o derradeiro que é o de técnicas do judô. Tudo com persistência. E como diz a letra: "É preciso saber viver. Toda pedra no caminho você pode retirar".