Empresas e profissionais contratados para a realização das Surdolimpíadas em Caxias do Sul, evento realizado em maio de 2022, seguem com pagamentos atrasados. Um grupo com 108 desses credores aponta que são R$ 12,5 milhões que deixaram de ser quitados. A Sociedade dos Surdos de Caxias do Sul, no entanto, diz que o valor fica em torno de R$ 10 milhões. A entidade também afirma que está mobilizada para tentar pagar os débitos.
As dívidas alcançam, por exemplo, árbitros das partidas, nutricionistas, laboratórios de exames, serviços de som, iluminação e decoração, restaurantes, hotéis, entre outros. Ao longo dos últimos meses, o grupo de credores procurou representantes do Comitê Surdolímpico e da Sociedade dos Surdos de Caxias do Sul, mas diz que o diálogo se encerrou e o tema tem sido tratado sem transparência.
— Todos já perderam a esperança de ainda receber algo. Sem expectativas, muito pela falta de transparência e diálogo da Sociedade dos Surdos de Caxias em buscar soluções. A maioria já entrou com processo judicial, porém sem expectativas de receber. Apenas com o intuito de responsabilizar os criadores do evento e incrimina-los dentro dos trâmites legais para que estes fatos não tornem a ocorrer futuramente em outros eventos esportivos — pontua o diretor do Sindicato Empresarial de Gastronomia e Hotelaria da Região Uva e Vinho, Rudinei Galafassi.
De acordo com o empresário, 35% da dívida total gerada pela Surdolimpíada é com empresas do setor. Entre eles, estão o restaurante e hotel da família Galafassi. A dívida é de aproximadamente R$ 50 mil, a maior parte relacionada ao não pagamento de refeições feitas no Restaurante Bem-Te-Vi, um dos mais tradicionais de Caravaggio, em Farroupilha.
— Foram valores que, mesmo não recebendo, nós tributamos, pois os serviços foram prestados. Portanto, além do não recebimento, há todos os custos operacionais, de matéria-prima e tributários. Isso impacta, pois, além de virmos de uma pandemia onde nosso setor não faturou, tivemos que recompor estes valores da Surdolimpíadas nos meses seguintes ao evento — detalha.
O empresário Luciano Lopes tem a receber uma soma de R$ 295 mil de um contrato fechado em 312 mil, conforme o dono da LL Consultoria de Segurança, Treinamento, Resgate e Alpinismo Industrial. A empresa de Farroupilha foi responsável por prestar o serviço de ambulâncias durante o evento internacional. Para isso, foram 22 ambulâncias usadas e 52 profissionais contratados. Ao longo da programação, houve 120 atendimentos.
— Para a gente fazer um evento deste porte, a gente tem que investir antes para fazê-lo acontecer e esperar o retorno. Eu não quebrei a empresa, não fechei as portas da empresa, porque tenho mais quatro filiais no Brasil. Como todo o empresário, a gente tem que mover capital de outros lados. Eu, particularmente, tive de fazer empréstimo e pegar dinheiro emprestado das outras filiais para poder repor e não fechar as portas de vez. Por que eu, como contratante, como vou deixar de pagar as pessoas que prestaram serviço para mim? — assinala.
Outra empresa que ainda não recebeu o pagamento completo é a Brocker Turismo, responsável pela logística dos cerca de 5 mil atletas, com traslado para os locais da prova, hotéis e pavilhões da Festa da Uva, que se tornou a Praça Surdolímpica no período. A empresária Carlise Bianchi, sócia da Brocker, diz que foram contratados guias, intérpretes, recepcionistas, motoristas e equipes de apoio. Outros fornecedores foram subcontratados pela Brocker para atender a demanda de transporte. Sem revelar o valor do contrato, Carlise conta que recebeu aproximadamente metade do pagamento. Para quitar as dívidas, a empresa teve de fazer empréstimos:
— Geramos uma série de outros serviços para muitas empresas, inclusive da região de Caxias, Bento, de todo o Rio Grande do Sul, porque tu imagina o tamanho de uma frota para atender a esse serviço todo. Cumprimos com todas as nossas obrigações, mas hoje nós somos, sem dúvida nenhuma, um dos maiores credores das Surdolimpíadas.
Contraponto
A Sociedade dos Surdos de Caxias do Sul montou uma comissão para tratar das dívidas com os fornecedores do evento. Gustavo Perazzolo, ex-presidente do Comitê Internacional de Esportes para Surdos (ICSD), integra a comissão e diz que a entidade também buscou assessoria jurídica para tratar do assunto. De acordo com ele, se iniciou neste mês um trabalho para buscar recursos para sanar o problema, mas não há prazo para o acerto com os credores.
A estimativa da comissão é de que que o valor em atraso fique em torno de R$ 10 milhões. Conforme Perazzolo, uma auditoria está sendo feita, porque foram encontrados indícios de pagamentos indevidos em alguns casos. A ideia agora é mobilizar a comunidade surda para quitar as dívidas, embora ele diga que as decisões administrativas em relação ao evento foram tomadas por falantes.
— O nosso foco agora é trazer esse dinheiro. Não adianta pensar em governo, porque já passou, não tem como a gente conseguir essa verba pelo governo. Agora, a gente vai trabalhar em parceria com o povo surdo, mostrar como somos capazes para quitar todas essas dívidas. Nós, da comunidade surda, vamos buscar isso. O nosso trabalho é de outro modo, buscar outros caminhos e estratégias para que a gente possa arrecadar esse valor.
Perazzolo diz que o planejamento de ações já está feito, mas que não pode antecipar tudo o que está previsto. Uma das ideias é lançar um livro sobre o evento. No entanto, ele reclama que o acervo digital das Surdolimpíadas não foi disponibilizado à entidade pelos fornecedores, o que impede a realização de ações.