Depois de um pico nos pedidos de aposentadoria em Caxias do Sul em 2019, a quantidade de solicitações do benefício previdenciário baixou nos anos seguintes. É o que mostram dados disponibilizados pelo INSS (veja tabela). O cenário está relacionado, claramente, à Reforma da Previdência. Com as discussões que se arrastaram em 2019, o medo de que a mudança de regras impossibilitasse as aposentadorias provocou uma corrida de segurados.
Analisando os números, é fácil perceber esse movimento. Em 2018, foram 16,8 mil pedidos. Em 2019, a quantidade salta para 24,1 mil. No ano seguinte, baixa para 14,7 mil, enquanto em 2021 fica em 15,7 mil. Passados mais de dois anos da entrada em vigor da Reforma da Previdência, muitos contribuintes seguem com dúvidas sobre como se aposentarem de uma forma que traga melhores benefícios a eles.
— A gente tem notado muito uma questão de preocupação dos segurados com a questão das regras de transição. Então, eles estão bem conscientes também na questão do planejamento previdenciário, que é um termo novo que tem se usado muito. É um estudo da vida contributiva da pessoa para verificar dentro de todas as possibilidades de aposentadoria qual delas que efetivamente se torna mais atrativa para eles _ comenta a advogada previdenciária Franciele Bassani, que atua na Azzolin Advogados.
A professora Vera Lúcia Steiner, da área do conhecimento de Ciências Jurídicas da Universidade de Caxias do Sul (UCS), também diz que tem havido uma grande procura de segurados com dúvidas ao Serviço de Assistência Jurídica Gratuita (Saju). Por outro lado, ela pontua que diminuiu a procura pelo Saju para judicialização de casos:
— Depois que teve a mudança da Previdência, a gente percebeu uma diminuição de procura aqui no Saju, em função de não se enquadrarem mais nas regras após essa alteração na lei. Outra mudança que a gente percebeu em relação à previdência são pedidos de BPC (Benefício de Prestação Continuada) e de outros benefícios que primeiramente eles têm de pedir via administrativa e a demora que o INSS tem para dar a eles quanto ao indeferimento, porque nós só podemos entrar judicialmente se eu tenho o indeferimento administrativo. Então, o que faz com que tenha menos acesso ao Judiciário é essa demora do INSS em dar o retorno quando eles fazem o pedido administrativo.
A gerente da agência do INSS em Caxias do Sul, Elelnice Tomiello, afirma que existe um volume muito grande de trabalho dentro do instituto. Segundo ela, uma das situações que implica a demora é o retrabalho na análise de processos já negados e que são reingressados pelos segurados sem avanços em relação ao que já foi indeferido. Ainda assim, de acordo com ela, o INSS tem tomado medidas para garantir o andamento dos processos com mais rapidez. Elelnice menciona uma Medida Provisória de abril, que possibilitará aos servidores ganharem uma remuneração extra pela conclusão de análises. Conforme a gerente, os fluxos estão em elaboração:
— No momento em que for liberado, vai dar uma fluidez maior e os processos serão concluídos com maior celeridade. O INSS sabe do problema, que tem uma demanda muito grande. Mas se Deus quiser e o INSS atuar com celeridade, nós vamos conseguir dar um retorno mais razoável para os segurados.
Apoio do Saju
Para buscar ajuda em relação a serviços previdenciários no Saju da UCS, é preciso agendar ligando para os telefones (54) 3218-2276 ou (54) 3218-2975 nas terças, a partir das 13h30min. Os atendimentos presenciais se concentram na sexta-feira, entre 13h30min e 16h30min, no Bloco 54, localizado na Cidade Universitária, em Caxias do Sul. O público-alvo do Saju são pessoas com renda de até três salários mínimos.
Os diferenciais dos mais velhos
Entrar no mercado de trabalho para pessoas de faixa etária mais avançada costuma ser mais desafiador. Mas isso não significa que não exista essa possibilidade. Um levantamento feito pela INV Recursos Humanos, de Caxias do Sul, no próprio banco de dados mostra que 7% dos integrantes têm mais de 50 anos. Dos contratados no período de pandemia, 3,2% estão nessa faixa etária. A mais procurada é que tem até 30 anos (60%), que compõe 55% dos cerca de 200 mil profissionais cadastrados pela agência.
— É natural que as empresas contratem menos pessoas com mais idade, porque a oferta de mão de obra é muito maior até 30 anos. Então, acaba sendo um fenômeno natural do mercado — analisa o diretor da empresa, Glenio da Rosa e Silva, que também é sócio fundador e ex-presidente ARH Serrana.
Ele pontua ainda que a idade não costuma ser um critério inicial de seleção nas organizações:
— Empresas estão mais exigentes no seu perfil, mas focam na questão da competência técnica mais a competência comportamental, a competência emocional. Então, hoje quando nós selecionamos profissionais para o mercado, a gente vai em busca de atendimento das necessidades da empresa no quesito técnico e comportamental. Não existe uma preferência, uma exigência com relação à faixa etária. Se isso acontecer em algum cargo, é muito pontual.
O supervisor de Recursos Humanos da Amalcabúrio, Alexandre Simoni, salienta três fatores que facilitam a inserção de idosos no mercado de trabalho. Para ele, um ponto crucial tem a ver com a Reforma Trabalhista de 2017, que possibilitou a mudança no sistema de férias:
— Antes dessa lei, quando a gente tinha funcionários com mais de 50 anos, a empresa era obrigada a dar férias de 30 dias corridos. Com essa mudança da lei, tu podes parcelar as férias em três vezes, como para todo mundo. Outra questão, como o pessoal diz, hoje existe a sociedade líquida, que o pessoal acaba não se fixando em empresas, principalmente as gerações mais novas. E o pessoal de mais idade, não. O pessoal de mais idade acaba ficando mais nas empresas. Isso para as empresas é uma coisa boa. Eles acabam criando raízes, eles gostam de estar em um lugar e ficar. E uma última questão que eu vejo é a experiência e o conhecimento.
Outra característica desse público é valorização dos postos que ocupam. É o que menciona a consultora de RH Juliana Rodrigues. Ela faz o recrutamento de promotores de vendas de Páscoa para a empresa De Cacau, de Flores da Cunha, que expõe os produtos em lojas da Havan. Neste ano, a exposição ocorreu em 163 pontos e cerca de 10% dos contratados tinham acima de 50 anos. Juliana conta que quer aumentar esse número para ao menos 30% a partir do ano que vem.
— O resultado do trabalho dessas pessoas é fantástico. Eles são mais comprometidos em cumprir o horário, são mais assíduos. Eles adoram o que fazem, sabe aquela coisa de brilho nos olhos? Eles atendem as pessoas com muita simpatia. E as promotoras têm uma energia que dá de 10 a zero em pessoas mais jovens. É essa energia que eles têm vontade de trabalho e, por a gente dar essa oportunidade de trabalho, acho que é tão louvável, porque hoje ainda existe um preconceito etário.
Espera de oito meses pelo benefício
Costureira e cortadeira em uma confecção, Jandira Salete de Matos Silva, 58 anos, está vivendo a expectativa de quem chega perto da aposentadoria: receber a aprovação do pedido pelo INSS. A moradora do bairro São Cristóvão, em Caxias do Sul, soma 31 anos de carteira assinada. Em setembro do ano passado, fez a solicitação formal para garantir o benefício. Mas, desde então, não obteve resposta:
— Acho que está demorando, porque encaminhei em setembro. Estou achando bem lento esse negócio de aposentadoria com eles. Está demorando — comenta.
A espera da costureira não é um caso isolado. A obtenção da aposentadoria costuma ser mesmo um processo complexo, com muitas nuances. Essa é uma característica acentuada pelas mudanças que ocorrem no sistema, a mais recente foi a Reforma da Previdência, que entrou em vigor em 2019. A complexidade faz com que, mesmo no processo administrativo que poderia ser feito pelo próprio segurado, a opção seja muitas vezes procurar um advogado.
É o que Jandira fez. Embora tenha chegado a buscar atendimento diretamente no INSS, ela preferiu um assessoramento de um escritório de advocacia, para garantir que atendia a todos os critérios. Mesmo assim, segue na espera enquanto ainda reflete se irá ou não parar de trabalhar ao obter o benefício:
— A gente já trabalhou tanto, vamos ver como vai ser.
Para elas, nunca é tarde para mudar de profissão
Seja para complementar a renda ou pelo prazer de seguir na ativa, três mulheres de Caxias do Sul não se acanharam com a aposentadoria e buscaram recolocação no mercado de trabalho. A copeira Maria Luiza Moizés, 59 anos, a encarregada de crediário, Ivete Maria Campagnollo, 57, e a terapeuta Rosa Maria Mondoni, 63, seguem trabalhando, em áreas até então não exploradas, mantendo assim o corpo e mente em movimento, além de conseguir aumentar o saldo da conta corrente.
— Eu queria e ainda quero fazer muita coisa.
É isso que motivou Maria Luiza a enfrentar um processo seletivo em 2015, que, segundo ela conta, tinha muitas entrevistas. Selecionada, até hoje ela trabalha na copa da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL Caxias), após atuar como costureira, montadora de máquinas e na limpeza.
— Eu trabalho desde criança, e só com meu salário da aposentadoria eu não conseguiria fazer o que eu queria fazer, e ainda quero fazer muita coisa. Vou fazer 70 anos de idade, mas eu tenho muitos objetivos. Aí eu vim na CDL, na época era onde se fazia as entrevistas para as pessoas trabalharem no comércio. Vá que eu conseguisse algo no comércio, fazer café, e eu cheguei aqui e o colega do RH disse que tinha surgido uma vaga e que o meu perfil se encaixava perfeitamente. Mas era tanta entrevista, fiquei muito tensa _ conta.
Maria Luiza não fugiu de novos desafios. Aos 49 anos, voltou a estudar, através do antigo supletivo, para, de acordo com ela, conseguir um trabalho com salário melhor e ter maior valorização. Fez o Ensino Fundamental e Médio. E há sete anos está no emprego na CDL.
— Quando ele disse que eu fui aprovada, eu fiquei muito emocionada, muito feliz, até hoje sou muito grata à CDL por essa oportunidade, porque não é fácil, na nossa idade, arrumar trabalho mesmo que para fazer cafezinho, fazer limpeza. As oportunidades sempre são dadas para pessoas mais jovens — desabafa Maria Luiza.
Experiência e maturidade como diferenciais
Ivete Maria enxerga o mercado de trabalho na terceira idade de forma diferente. Para ela, a experiência e maturidade são diferenciais na hora da contratação. Aposentada há 14 anos, Ivete ficou um ano afastada, quando percebeu que ficar em casa não era para ela. Há 13 anos, trabalha no setor de crediário de uma loja no centro de Caxias, no único local onde enviou currículo.
— Tu pode confiar mais (em pessoas idosas), são mais comprometidas. A impressão que passa é que os adolescentes de hoje não são tão comprometidos como pessoas mais maduras, e acho que isso ajuda bastante a termos essas oportunidades. A experiência é um diferencial — opina.
Questionada sobre o que outras pessoas que buscam recolocação no mercado de trabalho devem fazer para conseguir a tão desejada vaga, Ivete Maria acredita que qualificações podem ser aliadas da experiência.
— As pessoas precisam se qualificar. Emprego tem, as pessoas estão contratando. No comércio, até tem dado uma reduzida, mas na indústria tem uma procura (por empregado) muito grande. Acho que falta mesmo qualificação para as pessoas se recolocarem no trabalho — defende.
Mudar o rumo aos 60
Aposentada desde 2007, Rosa Maria trabalhava por prazer, enquanto dividia as contas com o companheiro. Mas há seis anos, com a separação, viu o trabalho também como uma necessidade para uma vida mais confortável financeiramente. A mudança na vida pessoal impulsionou também na profissional, quando a agora terapeuta quis investir no universo holístico.
— Antes eu não sentia necessidade (financeira), eu trabalhava porque eu gosto de trabalhar. Eu trabalhava em uma empresa, mas depois que me separei, eu senti necessidade, porque era eu e eu só. Então fui atrás para aprender sobre terapia, sempre gostei de trabalhar com energia — afirma.
E complementa:
— Hoje eu preciso, não consigo viver só com o salário da aposentadoria. Acho que mais de 80% dos aposentados precisam de uma segunda renda. Aposentados já são pessoas idosas, que precisam de mais médico, de mais exame, de mais remédio, e acho que por isso a maioria continua trabalhando _— comenta Rosa Maria.
Há quatro anos na terapia, hoje ela divide a rotina entre o consultório particular e o trabalho voluntário com mulheres vítimas de abusos e que sofreram algum trauma.
— Tu sai dali realizada, depois de sete, oito atendimentos, ver que a pessoa deu um "up" na vida dela. O foco dela já não está mais naquela pessoa que a agrediu, ela já está procurando emprego, fazendo cursos, então é ótimo. Pacientes que me trazem dinheiro não são muitos, porque eu estou começando. A maioria ainda não conhece as barras de access (tipo de terapia), eu trabalho mais como voluntária, então eu estou dando de mim, mas acho que recebo mais — destaca a terapeuta.
E aconselha para quem tem receio de mudar o rumo profissional na terceira idade:
— Não ter medo, se jogar mesmo, porque o medo te bloqueia. Eu acho que vale a pena pra todo mundo, tu vive mais. Eu faço bastante coisa, caminhadas, trilhas, eu não me sinto uma idosa, eu me sinto uma jovem. Minha cabeça, meu corpo, meu espírito (são muito ativos). Eu trabalho desde os 13, 14 anos e nunca parei, pra mim acho que é isso que me impulsiona, me dá energia — pontua.