A entrada no mercado de trabalho costuma ser um desafio a qualquer tempo. Porém, a situação ganha um componente a mais de complexidade em meio à crise econômica surgida a partir da pandemia de coronavírus. Com mais de 4,7 mil vagas formais fechadas em Caxias do Sul, em 2020, a concorrência no mercado de trabalho se tornou ainda mais acirrada, principalmente, para os jovens.
Afinal, a falta de experiência profissional restringe as vagas às quais os jovens pudessem se encaixar. O Brasil bateu recorde de desemprego no primeiro trimestre do ano. Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 14,7% da população ficou fora do mercado trabalho no período.
Apesar disso, mesmo durante a pandemia, há jovens conseguindo conquistar vagas de trabalho. O Pioneiro selecionou três histórias de contratação em diferentes setores e, de jovens com diversos tipos de formação, que conseguiram começar a trabalhar, apesar da crise e escassez de oportunidades, e agora estão empolgados em seguir em frente.
Formada pouco antes da pandemia
Formada em Publicidade e Propaganda em fevereiro de 2020, pouco antes do avanço da covid-19 no mundo, Letícia Pereira Lorenzi saiu à procura de uma colocação no mercado de trabalho. Conseguiu o primeiro emprego, com carteira assinada, em novembro do ano passado, como assistente de Marketing em uma agência publicitária de Caxias. A publicitária de 24 anos, que até então tinha feito apenas estágio, aponta que uma das maiores dificuldades foi conseguir espaço em um mercado concorrido, com exigência de especializações.
Diante disso, surgiu o temor sobre a demora em conseguir uma vaga. Aliás, medo ainda mais evidente na pandemia, quando o desemprego bate recorde no país. E os desafios não pararam, mesmo depois da carteira assinada.
— Acho que o maior desafio foi o distanciamento social, por ser uma profissão que lida com público e pessoas. Isso afeta de alguma maneira a comunicação — conta Letícia, que fez um mês de home office.
Ainda no início da carreira, a jovem tem uma percepção clara de que a colocação profissional demanda dedicação. Os aprendizados desse primeiro emprego, destacados por ela, inclusive, vão ao encontro do que dizem os especialistas:
— Esse primeiro emprego mostra o quanto precisamos nos atualizar constantemente sobre nossa profissão, que o conhecimento geral sempre nos ajuda, e vivemos sempre aprendendo, apesar das dificuldades dos dias atuais — reconhece.
Desafio em dose dupla
A auxiliar de campo Ana Júlia Dani, 20 anos, saiu da casa dos pais, no interior de Caxias do Sul, em fevereiro do ano passado, para morar com a avó materna, no bairro Rio Branco. A mudança ocorreu para que ela pudesse cumprir o estágio curricular, já que ela tinha dificuldade de se locomover, por falta de ônibus entre Caravaggio da Terceira Légua e a zona urbana da cidade.
Na etapa final do curso de Técnico em Agropecuária da Escola Família Agrícola da Serra Gaúcha, ela conta que chegou a mandar mais de 30 currículos, mas sem sucesso. Então, pediu ajuda a uma professora, que indicou uma consultoria agrícola de Flores da Cunha. Três meses depois, ela foi efetivada.
Desde então, chegou a ficar afastada da empresa por um período, mas retornou integralmente às atividades há quatro meses. Voltou também para a casa dos pais, em julho do ano passado, após a compra de um carro, já que exerce uma atividade que demanda encontrar presencialmente produtores rurais e tinha receio de acabar transmitindo o vírus para a avó. A jovem conta que, além da própria colocação no mercado de trabalho, enfrentou o preconceito.
— Na verdade, para mim, foi a melhor coisa que aconteceu, porque não é fácil ser mulher e estar nesse meio — adverte.
Apesar da série de desafios que enfrentou, Ana Júlia pontua que o trabalho foi facilitado pela bagagem que conseguiu na escola em que fez o curso técnico.
— Não foi difícil, mas a escola me deu um bom suporte. O que a escola me ensinou me deu um suporte de como agir, porque, se eu não tivesse uma boa interação com os produtores, ia ser um pouco mais difícil.
Motivado para o futuro
O estudante Bruno de Barros Martins, 17 anos, tem uma meta bem desenhada para os próximos meses. O projeto dele é chegar, até o final do ano, a vendedor de uma loja de roupas e calçados no Centro de Caxias, na qual hoje trabalha como estoquista. Esse é o primeiro emprego do jovem, que começou como estagiário em novembro do ano passado, mas conseguiu ser efetivado em poucos meses. Ele conta que, para buscar a oportunidade no mercado de trabalho, entregou cerca de 20 currículos, presencialmente, em empresas da cidade:
— Foi um pouco difícil. Eu tinha o sonho de ser jogador de futebol, então eu só jogava. Aí eu tive que ajudar em casa. Então, eu tive que arrumar um emprego. Eu saí do treino e comecei a largar currículos pelo Centro e dois lugares me chamaram e eu escolhi este lugar (onde trabalha) — revela.
O processo de seleção, diz ele, foi rápido. Em duas semanas, Bruno começou o estágio em que auxiliava diversas atividades da loja.
— Para mim, é uma coisa muito boa estar no mercado de trabalho, que é muito competitivo hoje em dia. Então, não é fácil. Tem que ir bem na entrevista e, quando começa a trabalhar, tem que se destacar. Mas, acredito que se tu for esforçado e conseguir mostrar as tuas melhores caraterísticas, tu consegue se destacar e, pra mim, é muito bom. Acho que só tenho a crescer.
O jovem continua estudando. À noite, cursa o 3º ano do Ensino Médio e projeta trabalhar para, no futuro, estar capacitado para uma vaga de gerente.
As condições do mercado
Em Caxias, o mercado formal de trabalho gerou 4,7 mil vagas nos primeiros quatro meses do ano, como mostram os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Isso demonstra uma recuperação de oportunidades, mas é bom lembrar que houve o fechamento de 4,3 mil vagas ao final de 2020. Não há dados específicos sobre as condições para a primeira colocação no mercado de trabalho em Caxias, mas um dá para se ter uma ideia sobre como o processo está mais complicado a partir do Boletim Anual Juventude e Mercado de Trabalho 2020, feito pelo Observatório do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul (UCS), que apurou que no ano passado foram fechados 563 postos ocupados por jovens na cidade, enquanto que em 2019 haviam sido criados 4 mil vínculos para esse público.
A professora Lodonha Maria Portela Coimbra Soares, que coordena o Observatório, diz que os setores ainda mais afetados pela crise são justamente os que costumam ser a porta de entrada para os jovens no mercado. A indústria começou ainda no ano passado a curva de recuperação, mas o comércio e os serviços têm uma condição ainda mais delicada:
— Geralmente, o jovem entra pelo comércio ou serviços e nós vemos, durante a pandemia, que foram os setores, que principalmente no ano passado, fecharam ou deixaram de contratar ou reduziram por conta dos protocolos os funcionários. Então, por um lado, os jovens podem ter sido favorecidos, os que já estivessem inseridos, porque esses foram preferidos a ficar diante dos mais velhos. Mas, no sentido de se inserir no mercado de trabalho, esse é um momento mais difícil — explica a economista.
Com a crise, Caxias voltou, em 2020, a um patamar semelhante ao de 2007 no número de pessoas empregadas, conforme dados do Caged compilados pela Câmara da Indústria, Comércio e Serviços (CIC) e pela Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) da cidade. Portanto, mesmo com a recuperação das vagas, a inserção no mercado ainda está incerta.
— O ideal é que a gente tenha um aumento gradual de empregos, porque tem um aumento de pessoas chegando no mercado de trabalho. Nesse momento de inserção profissional, acaba que quem está chegando no mercado, disputa vagas com pessoas mais experientes e com mais formação. Então, ele fica um pouco em desvantagem nessa disputa — analisa Anelise D'Arisbo, coordenadora do curso de Tecnologia em Processos Gerenciais do Campus Farroupilha do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia (IFRS).
Sem experiência, aposta na formação
Se a experiência é um ponto fraco para os jovens, a aposta para quem busca oportunidades deve ser na formação. Mas, de alguma forma, isso também acabou impactado pela pandemia. A perda de renda das famílias reduz a possibilidade de investimento nesta área. Além disso, mudou-se a forma de ensino, com a inserção da modalidade online. Há uma população vulnerável socioeconomicamente, que sequer consegue ter acesso à internet. Por outro lado, para parte dos jovens, essa pode ser uma grande oportunidade, já que até universidades renomadas, como a de Harvard, liberaram cursos gratuitos.
Anelise explica que, mesmo com a continuidade dos estudos, há uma mudança significativa na formação dos jovens. A habilidade da comunicação, que é bastante demandada no mundo corporativo, por exemplo, passa a acontecer de uma forma totalmente diferente durante as aulas pela internet. Perde-se ainda a formação de redes de contato mais próximas, um fator importante para a inserção profissional.
— Muitas vezes, o acesso ao emprego acontece pelas redes de relacionamento. A pessoa consegue observar melhor a sua atuação enquanto profissional, também por estar dentro da academia. Para o profissional que está entrando no mercado de trabalho e não tem a titulação, esses meios sociais são muito importantes para o acesso ao emprego — argumenta Anelise, que orienta que, mesmo com as mudanças, os jovens devem prosseguir com os aprimoramentos.
Outra preocupação deve ser com a imagem no mundo virtual. Com menos contato presencial, as redes sociais são uma ferramenta de pesquisa de perfil pelas empresas. A doutora em Administração com ênfase em Gestão de Pessoas recomenda atenção às postagens, sem perda da identidade, mas com cuidado ao tom e à postura adotados.
Além disso, é claro, a chegada do currículo às mãos certas pode colaborar. Neste sentido, a sugestão é usar todos os meios: entrega online, presencial, por meio de outros colaboradores. E fique atento também ao formato: os currículos hoje, diz a professora, devem ter, no máximo, duas páginas. Portanto, devem ser objetivos, ao mesmo tempo em que colocam em evidência o perfil, as experiências e o conhecimento dos candidatos.