O início do ano nos açougues de Caxias do Sul dá uma ideia do que vem pela frente: o preço da carne de gado continuará subindo significativamente nos próximos meses e a tendência é de que muitos consumidores recorram a alternativas mais baratas para os pratos do dia a dia, caso do frango.
Em pesquisa em sete estabelecimentos nesta semana, a reportagem encontrou o quilo da picanha, a mais cobiçada pelos churrasqueiros, a R$ 75,90. Apesar de ser um corte nobre, representa um acréscimo de 51,8% em relação a um levantamento realizado em agosto passado, quando o quilo da peça mais cara saía por R$ 49,99 na cidade. Ainda assim, está abaixo do patamar de fevereiro, período em que alguns estabelecimentos chegaram a vender esse tipo de corte a quase R$ 100 o quilo.
Outro parâmetro da inflação nos açougues é o preço do vazio. Em agosto, o quilo mais caro não passava dos R$ 45 nos estabelecimentos pesquisados. Agora, a reportagem encontrou a R$ 64,99 — o menor preço verificado do corte foi de R$ 41,99, sendo que há seis meses era possível adquirir por R$ 24,90, variação de 68,8% em apenas seis meses.
Para a auxiliar de açougue Patrícia Freitas, 41 anos, apesar do valor mais salgado, os consumidores dificilmente têm achado ruim e as vendas seguem no bom patamar.
— Pouca gente reclama. Carne, bebida e praia ninguém reclama. O produto bom o pessoal procura, por isso, os clientes não deixaram de comprar — comenta.
Como cliente, o microempresário Émerson Einsfeld, 48, notou a escalada dos preços, mas acredita que não foi tão impactante. Ele afirma que procura pela qualidade antes mesmo do preço, motivo pelo qual precisou trocar de estabelecimento em que adquire a carne.
Conforme o açougueiro Leonardo Vanzetto, 44, a pandemia não tem influenciado tanto nas elevações de preço da carne. Diferente do cenário encontrado em agosto de 2020, quando houve um consumo menor da proteína mesmo com um preço mais acessível, Vanzetto informa que a procura tem sido grande.
— O preço aumentou em dezembro porque é natural a carne aumentar, mas percebemos um aumento na venda. De uma forma ou de outra, o povo tem que comer e o pessoal está mais em casa. Quem se deu mal foram os restaurantes — diz, com a confirmação do colega de balcão Clementino Wikowski, 43.
"Está sendo bem difícil", lamenta gerente de churrascaria
Edemir Maciel, 43, gerente da Churrascaria Costela na Brasa, sentiu o impacto dos reajustes constantes. Ele afirma que a situação se agrava a partir do momento em que não consegue repassar o custo mais alto para os clientes.
— O aumento veio desde o ano passado, subindo em torno de 40% e 60%, dependendo do corte até dobrou o preço. Não conseguimos repassar todo o preço, principalmente nós de restaurantes, porque temos bastante empresas que almoçam, conveniados, que não ganham para acompanhar se a gente for elevar o preço ao nível que subiu as carnes. Está sendo bem difícil esse ano — lamenta Maciel.
O prejuízo vai do pecuarista ao consumidor
Segundo o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios (Sindigêneros), Eduardo Slomp, uma série de fatores impulsionaram a elevação do preço das carnes.
— Tudo começa no campo, onde a alimentação do bovino aumentou muito. A soja e o milho nas alturas, que são a base da alimentação. Exportações de todo o tipo, bovinos sendo carregados aos milhares em navios, os pecuaristas plantando soja onde se criava bovinos com um retorno bem maior e assim vai — explica Slomp.
Slomp alerta que, no próximo ano, não haverá gado suficiente para o abate, visto que os pecuaristas estão abatendo bois com 15 a 17 arrobas, em vez de 21 e 23, que seria o ideal.
— Significa que estão abatendo novilhos precoces demais, isso para desocupar o campo para plantio de milho e soja. Tem pecuarista com prejuízo, mesmo o boi estando neste preço. Quando entrarmos no inverno, dentro de 60 dias, teremos mais aumentos — explica.
O presidente do Sindigêneros reforça que, com a elevação do preço da carne de gado, os consumidores procuram por frango e suíno.
— As pessoas vão aprendendo receitas com esses cortes, por exemplo, o sassami de frango triplicou a venda. Um corte de frango muito versátil consegue 30 tipos de receita e custa em torno de R$ 12,90 ao quilo. A exportação de suínos terminou e começou a baixar o preço. Seremos como a Europa, com carne bovina uma vez por mês na mesa dos brasileiros no futuro, e frango e suíno — projeta.
Para Slomp, os mercados saem prejudicados quando vendem a carne de segunda por menos de R$ 25 e a de primeira por menos de R$ 40, em média.
— Quando se fala em picanha, por exemplo, em um boi de 400 quilos, conseguimos 2,2 quilos, sendo que o boi custa R$ 5,2 mil em média. Essa picanha teria que ser vendida a R$ 80 ao quilo. Você tira R$ 176 de R$ 5,2 mil e vê que é cara para o consumidor. É insignificante para pagar o custo — elucida Slomp.
COXÃO MOLE
Um dos cortes mais populares para o dia a dia também teve uma alta considerável. Há seis meses, o quilo do coxão de dentro (mole) mais em conta na cidade custava R$ 29. Hoje, o preço varia entre R$ 41,99 e R$ 46,80 nos mercados pesquisados — aumento 44,7% em relação ao valor mais baixo.
EXPLICAÇÃO TÉCNICA
De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP), o indicador da arroba do boi gordo CEPEA/B3 vem operando acima dos R$ 200 desde maio de 2020 e, na primeira semana de fevereiro deste ano, atingiu a casa dos R$ 300. Se trata de novo recorde real da série histórica do Cepea, iniciada em 1994. Segundo pesquisadores do Cepea, o recente avanço nos valores da arroba está atrelado à oferta limitada de animais prontos para abate, tendo em vista que as demandas interna e externa estão enfraquecidas no começo do ano.
PREÇO MÉDIO DA CARNE
Vazio
Entre R$ 41,99 e R$ 64,99
Em agosto, valor mínimo encontrado foi de R$ 24,90
Costela
Entre R$ 38,99 e R$ 45,80
Em agosto, valor mínimo encontrado foi de R$ 31,99
Picanha
Entre R$ 64,90 e R$ 75,90
Em agosto, valor mínimo encontrado foi de R$ 37,90
Alcatra
Entre R$ 47,90 e R$ 61,80
Em agosto, valor mínimo encontrado foi de R$ 28,90
Filé mignon
Entre R$ 59,90 e R$ 73,80
Em agosto, valor mínimo encontrado foi de R$ 36,90
Maminha
Entre R$ 48,90 e R$ 61,80
Em agosto, valor mínimo encontrado foi de R$ 29,90
Fonte: Pesquisa realizada na quarta-feira, dia 3 de fevereiro, em sete estabelecimentos de Caxias do Sul