A mamãe vira mãe. O pai já não é um super-herói. A porta fechada do quarto entra em cena. O beijo antes da aula é motivo de vergonha e as perguntas sobre a futura profissão tornam-se cada vez mais presentes nos almoços de domingo na casa da avó.
Este e outros cenários do cotidiano compõem a adolescência, período de transição física e emocional que pode ser desafiador para muitas famílias. Para especialistas, a fase exige uma dose extra de diálogo, interesse pelo mundo juvenil, acolhimento e, principalmente, uma escuta ativa, sem julgamentos.
Psicólogos explicam que a adolescência é, sobretudo, marcada pela busca por uma identidade. Se anteriormente a criança seguia as decisões e os hábitos da família, o adolescente tenta encontrar seu papel social, reconhecer seus gostos e entender a quais grupos deseja pertencer.
— Todas as famílias tendem a dizer que "meu Deus, meu filho mudou muito, eu desconheço quem ele é". Isso é saudável! Nos espanta quando um adolescente segue muito como ele era, sem mostrar alguma diferenciação. A busca pela identidade e pela autonomia são partes do processo de desenvolvimento — sinaliza a psicóloga Mariana Selbach Castilhos.
Além de uma "busca por si mesmo", acrescenta a psicóloga, psicanalista e mestranda em Filosofia Giovana Grison, o adolescente precisa lidar com as mudanças corporais e hormonais, como o ganho de peso e altura, alterações na voz e o início da menstruação para as meninas, por exemplo. Todo este combo pode gerar um isolamento social.
— Tudo isso afeta a percepção que eles têm deles mesmos e aí pode ocorrer uma queda na autoestima. O adolescente passa a não se reconhecer, a não se gostar muitas vezes. As mudanças do corpo e da mente podem afetar a sociabilidade — pontua Giovana.
Embora natural e até esperada, a introspeção deve ser acompanhada de perto pelos pais, segundo as profissionais.
— É na introspecção que eu verifico quem sou, que valido o que fiz, o que eu gosto, o que eu não gosto. Mas precisamos cuidar para que não seja só esta a forma de se relacionar com o mundo. Então, é como se o pai e a mãe precisassem fazer um caminho de chegar na metade de uma ponte e dizer "oi, eu tô aqui e eu tô interessado em ti. Eu quero saber o que tá acontecendo". E, às vezes, isso vai significar uma insistência respeitosa, para que possam acontecer momentos de vínculo, de mais expansividade — ensina Mariana.
"Precisamos validar o sentimento dos adolescentes"
Competir com a tecnologia, as redes sociais, os círculos de amizades e ter compreensão com os comportamentos desafiadores não são, de fato, tarefa simples para os pais de adolescentes. Por isso, a recomendação das profissionais é de que a família invista em momentos de conexão e que saiba validar e acolher os problemas trazidos pelos jovens.
— Muitas coisas que parecem bobagens para nós, adultos, podem ser o "fim do mundo" para eles. Existe uma dor, um sentimento muito genuíno, justamente por estarem passando por muitas mudanças ao mesmo tempo. Precisamos validar o sentimento dos adolescentes — diz a psicóloga Giovana.
Outra recomendação das especialistas é cultivar uma escuta sem julgamentos ou reações exacerbadas, pois, ao contrário, o adolescente pode não se sentir mais confortável em dividir as próprias angústias. Ao mesmo tempo, é preciso deixar claro quem é o adulto da relação, criando limites e abrindo espaço para a autonomia e novas responsabilidades.
— Tem uma psicanalista muito famosa, a Vera Iaconelli, que fala que a gente não pode entrar na ideia de querer a audiência dos filhos, de querer garantir que eles sejam muito "brothers" nossos. Não é esse o caminho. O pai, a mãe e outros cuidadores têm o compromisso de ajudar esse ser humano a se desenvolver bem no mundo — ressalta Mariana.
"É como virar uma chave"
Descrita pelos pais como objetiva, crítica e determinada, a estudante Julia Rauber, 15 anos, nunca deu dores de cabeça à família. Pelo contrário, o esforço nos estudos, a facilidade em se comunicar e o amor pela leitura são motivos de orgulho para o casal Rosane e Marcelo Rauber.
A transição da infância para a adolescência, no entanto, exigiu resiliência e jogo de cintura dos pais, que perceberam que certos comportamentos e hábitos infantis foram se perdendo aos poucos, dando lugar a uma personalidade mais madura e introspectiva.
— Ela começou a ficar mais na dela, mais quietinha, mudou bastante. Eu até digo que sinto saudades do "mamãezinha, mamãezinha", como ela sempre me chamava. Também percebo que hoje ela se posiciona, sabe? Nunca nos faltou com a educação, mas a Julia deixa claro aquilo que ela quer — conta Rosane.
— É como virar uma chave, sabe? Virou na adolescência. Estávamos acostumados com uma fase da Julia mais espoleta, ativa, e de repente mudou, se fechou. Até nos perguntamos "será que a gente fez alguma coisa errada?" — acrescenta Marcelo.
A fase de transição para a vida adulta também é um desafio para a própria jovem. Para Julia, planejar o futuro, manter as notas altas, ao mesmo tempo que descobre a si mesma, são questões que geram aflição:
— Essa fase de descoberta, de saber o que quer fazer do futuro, é muito difícil. Muitas vezes as pessoas criam uma imagem sobre nós e a gente não sabe realmente quem somos — desabafa a adolescente.
Para que tantos dilemas sejam superados, Julia é acompanhada por uma psicóloga e os pais dizem que investem no acolhimento e no diálogo, entendendo os momentos em que ela precisa apenas de um abraço ou ser ouvida.
Religiosidade como base na família Morales
Católica praticante, a família Morales encontrou em um grupo de jovens da igreja o apoio necessário para atravessar com mais compreensão e tranquilidade a adolescência do caçula Bernardo Lino Morales, 12 anos.
Para além de momentos de oração e lazer, o grupo também é espaço de conversas sobre a família, as aflições e outros assuntos pertinentes a idade dos participantes. O jovem participa dos encontros quinzenais há um ano no bairro Santa Catarina, em Caxias do Sul, e garante que aprende lições para o futuro.
— Todo sábado tem alguma atividade diferente, algo que vai ensinar a gente de alguma forma. Algumas vezes falamos de coisas muito importantes que eu quero levar para a vida — diz o adolescente.
Para os pais, o representante comercial Mauricio da Rocha Morales e a analista de venda Valesca Lino Morales, a participação do filho em atividades da igreja católica desde a infância representa o crescimento em um ambiente saudável e próximo dos valores que a família julga como corretos e adequados.
— O caminho dentro da igreja traz mais compreensão para ele e aí não gera tantas indagações ou conflitos. Ele traz algum questionamento, explicamos o porquê não é legal e ele aceita melhor, porque vem ouvindo isso ao longo do tempo, não só em casa, como também na igreja — enfatiza Mauricio.
Segundo os pais, as trocas nos encontros também facilitam o entendimento de Bernardo nas regras da casa, como tempo de uso de celular e restrição de acesso a determinadas redes sociais, como o TikTok. Ele conta que no começo foi um pouco resistente, mas que agora já se acostumou com as limitações.
— Eu falo para ele que nós não tínhamos celular. Hoje, eles têm muita informação, que são boas e que são ruins. Então, fazemos isso até para protegê-lo — finaliza Valesca.
Fica a dica!
- Para ler: Como agir com um adolescente difícil?: um livro para pais e profissionais, do psicanalista e psiquiatra J-D Nasio.
- Para seguir no Instagram: Thaís Vilarinho, @maeforadacaixa. Estéfi Machado, @blog.estefi.machado
- Para ouvir e assistir: episódio "O que esperar das novas gerações?", com a psicóloga Giovana Grison. Disponível no Spotify e no YouTube da UCS Play.