A chegada de um bebê é capaz de gerar grandes transformações, inclusive nas horas de sono de uma família. Não é raro ouvir desabafos de pais e mães sobre noites maldormidas e madrugadas embaladas por choros e resmungos. De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), nos primeiros anos de vida, cerca de 20% a 30% das crianças podem apresentar despertares noturnos frequentes e dificuldade de dormir.
É uma fase que exige acolhimento, afeto, dosagem de expectativas e, principalmente, paciência e informação. Buscar ajuda profissional e seguir orientações de especialistas também são estratégias bem-vindas para esticar o descanso dos pequenos e garantir o bem-estar de todos os familiares.
A neurologista infantil e membro da Associação Brasileira do Sono Letícia Azevedo Soster explica que o sono está atrelado ao desenvolvimento físico, cognitivo e emocional da criança, formando, juntamente com a nutrição e o afeto, o tripé para uma evolução saudável. Um bebê recém-nascido, por exemplo, pode ultrapassar as 16 horas de sono por dia, contando o descanso noturno e os períodos de soneca.
— É durante o sono que dois terços do GH, que é o hormônio do crescimento, são liberados. Além disso, é durante este período que o cérebro vai conseguir fazer o processamento e transformar o aprendizado, as novas informações obtidas pela criança em memória — explica a médica.
Em contrapartida, a psicóloga e educadora integrativa do sono infantil Caroline Gobbato aponta que a falta de descanso de qualidade também traz impactos negativos para os pequenos:
— Eles ficam mais indispostos, com pouca atenção, têm o humor alterado. Além disso, muitas vezes, a criança que está em privação de sono pode apresentar comportamentos que podem ser confundidos com transtornos, como déficit de atenção e hiperatividade — detalha a psicóloga.
Rotina: uma aliada dos pais e dos bebês
Os profissionais ouvidos pela reportagem e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) defendem que é importante criar e estabelecer uma rotina com a criança desde cedo para que ela aprenda a sentir-se segura em dormir sozinha.
A criança, por natureza, busca por padrões e previsibilidade. Por isso, a orientação é que se crie uma rotina em que as coisas aconteçam em uma mesma ordem e num mesmo horário
— A criança, por natureza, busca por padrões e previsibilidade. Por isso, a orientação é que se crie uma rotina em que as coisas aconteçam em uma mesma ordem e num mesmo horário. A previsibilidade proporciona segurança e a segurança é um dos componentes principais para adormecer — defende a psicóloga Caroline Gobbato.
— O bebê está aprendendo a andar, a falar, a entender o meio ambiente, ele precisa também aprender a dormir. A gente não tem um botão de liga, desliga que, de repente, "ah, vou desligar, vou puxar da tomada e vou conseguir dormir". É uma habilidade neurológica. E essa habilidade de controlar suas emoções, ficar quietinho e deixar o sono chegar, precisa ser desenvolvida. Uma das formas da gente desenvolver isso é criando hábitos — acrescenta a neurologista infantil Letícia Azevedo Soster.
O ritual da noite pode contar com diferentes estratégias, a depender do perfil e das necessidades da família. O momento pode incluir um banho quentinho, amamentação, a leitura de um livro, massagem, oração, entre outras atividades relaxantes e realizadas em sequência, que demonstrem para a criança que está na hora de adormecer. Além disso, é recomendado diminuir as luzes da casa, evitar a exposição a eletrônicos e manter o ambiente em uma temperatura agradável. Checar se o bebê está alimentado e se a fralda está limpa também é importante para garantir um descanso de qualidade.
Hábitos e conhecimentos aplicados desde cedo
A descoberta da gestação despertou na odontopediatra Renata de Paoli, 38 anos, um desejo sincero e intenso de saber tudo sobre o universo maternoinfantil. Embora mantenha contato diário com crianças em seu consultório, há 15 anos anos, ela entende que vivenciar a maternidade exige uma preparação diferenciada àquela em que estava acostumada, em meio a caninos, molares e orientações de cremes dentais. Para isso, Renata leu, ouviu podcasts, seguiu perfis maternos em redes sociais e mergulhou em um curso online. A informação, acredita ela, foi uma fundamental para que hoje as noites com a pequena Cecília, sete meses, sejam mais leves e tranquilas para a família de Farroupilha.
— Desde que eu soube da gravidez, comecei a ler e me informar sobre todos os assuntos. E aí selecionei algumas condutas que eu achava interessante — recorda-se Renata.
A introdução de uma rotina de sono com a bebê estava entre as recomendações das leituras e do curso à distância. E, assim, Renata e o marido, Roberto Rodenbusch, seguiram à risca. Os hábitos noturnos começaram a ser aplicados quando Cecília tinha pouco mais de dois meses. O ritual incluiu a preparação do ambiente, com uma luz avermelhada, menos intensa, e a estimulação para que a bebê adormecesse no próprio berço.
— Antes (de aplicar a rotina), eu colocava ela no berço em sono profundo. Depois, comecei a dar colo e, quando ela começava a adormecer, eu colocava no berço e ficava com a mão no peito dela, sentido a respiração e só saía quando estivesse dormindo mesmo. É algo que faço até hoje e tem dado certo — comenta a odontopediatra.
Renata lembra que evitou criar expectativas sobre noites inteiras de sono e que sempre respeitou as necessidades da filha.
— Tinha dias que ela não queria fazer sonecas no berço ou no carrinho e eu ficava com ela no colo o tempo que precisasse. Jamais deixei chorando sozinha — ressalta.
Embora reconheça seus próprios méritos em buscar informações e o empenho em estabelecer a rotina com a filha, Renata também acredita que "dormir bem" seja algo da natureza da menina. A criança dorme a noite toda desde os primeiros meses de vida, algo que, para muitos pais, pode valer mais do que ganhar na Loteria.
— Também demos sorte de a Cecília ser uma bebê calma e acessível. As minhas amigas até brincam que eu não deveria ficar contando que ela dorme a noite toda pra não atrair olho gordo — brinca a odontopediatra.
Ajuda que fez a diferença para a família do Théo
O sono do bebê Théo não era exatamente uma preocupação para os pais Ana Caroline Hintz, 32 anos, e Marcelo Gheno, 33. Mas, quando o menino alcançou os quatro meses de idade, tudo mudou. A criança que antes engatava horas seguidas de sono ou, no máximo, despertava uma vez por noite para mamar, passou a acordar a cada meia hora. A privação de sono começou a refletir no humor e disposição, principalmente da mãe. Foi então que Carol e Marcelo decidiram procurar ajuda de uma profissional especializada em sono infantil quando o bebê completou seis meses.
— Estávamos em uma situação em que o que as pessoas nos falavam nós tentávamos. Estava supercansativo e complicado. Fomos bastante recomendados sobre a consultoria do sono e resolvemos tentar — relembra Carol.
A profissional que ajudou a família foi a psicóloga e educadora do sono infantil Caroline Gobbato. A mãe de Théo lembra que as consultas envolveram não só orientações específicas para a criança, como também ensinamentos sobre o universo do sono infantil.
Começamos a fazer algumas mudanças na rotina do Théo e percebemos que as coisas foram se encaixando, foram melhorando
ANA CAROLINE HINTZ
Mãe do Théo, 10 meses
— Começamos a fazer algumas mudanças na rotina do Théo e percebemos que as coisas foram se encaixando, foram melhorando, mas sempre tivemos em mente que seria a passos lentos— ressalta Carol.
Entre os ajustes adotados pela família foi a de fazer a última soneca do dia até as 16h e também colocar o bebê mais cedo na cama para o sono noturno, por volta das 20h.
— Chegou ao ponto que em uma noite ele acordou só uma vez. Para nós, foi o auge. Eu mesma acordei várias vezes para ver se estava tudo bem — lembra a mãe, com humor.
Hoje, o menino está com 10 meses e iniciou uma nova etapa: a adaptação escolar. Carol diz que o processo voltou a bagunçar um pouco o sono do filho, mas ela entende que essas alterações são naturais e que, com paciência e acolhimento, em breve, a rotina será restabelecida e as horas de sono da família, recuperadas.
"É uma rede de apoio, de acolhimento"
Assunto recorrente entre familiares e amigos que têm filhos, o sono também é tema presente nos grupos de maternidade em aplicativos de conversa. Os relatos, muitas vezes carregados de ansiedade e incerteza, são como gritos de socorro por amparo, acolhimento e até mesmo sugestões de como lidar melhor com situações como essa.
Um destes espaços virtuais para desabafos, troca de experiências e indicações é o "Gravidinhas & Mamães". Criado em 2016 por três amigas de Caxias do Sul, atualmente o grupo de WhatsApp reúne mais de 200 mulheres em diferentes fases da maternidade. Para a administradora da conta, a fotógrafa Rochelle Bondan, 43 anos, mãe do Murilo, seis, o grupo virtual é um espaço de trocas muito positivas, principalmente, para as mães de primeira viagem.
— Todas se acalmam e se acolhem porque acabam vivenciando as mesmas situações. É uma rede de apoio, de acolhimento e até de ajuda financeira, porque já aconteceu de alguma mãe precisar e nos ajudarmos — detalha.
Rochelle também atesta que, vira e mexe, as noites maldormidas surgem no meio da conversa.
— Percebo que o sono é assunto recorrente para as mães de crianças em todas as idades, desde os recém-nascidos até para os maiorzinhos. É um tema que está sempre presente. Por isso, também, muitas mamães acabam não saindo do grupo mesmo quando os filhos crescem, porque conseguem encontrar apoio e relatos semelhantes ali — avalia a fotógrafa.
Orientações para dormir melhor
:: Atentar-se às chamadas janelas de sono, que são, resumidamente, o período máximo que o bebê consegue ficar acordado entre os cochilos e o sono noturno.
:: Dentro dessa "janela" em que a criança estará acordada, é preciso garantir que as necessidades básicas sejam atendidas (fraldas limpas e alimentação), bem como contemplar o gasto de energia, com atividades, passeios, entre outros, a depender da faixa etária.
:: Observar os sinais de sono da criança e garantir sonecas de qualidade.
:: Ter um mesmo horário para dormir e despertar todos os dias.
:: À noite, usar luz fraca e proporcionar um ambiente calmo.
:: Ter uma rotina diária e igual pré-sono: banho, massagem, música ou qualquer outra que marque para o bebê que está na hora de dormir.
:: Evitar estímulos com barulho e agitação pelo menos uma hora antes do horário de dormir.
:: Os aparelhos eletrônicos, para crianças acima dos dois anos de idade, devem ser desligados cerca de uma antes do horário de dormir.
FONTE: Sociedade Brasileira de Pediatria e psicóloga Caroline Gobbato