Olga Gobatto Bedin tinha 11 anos em 19 de março de 1944. Juntamente com o pai, Ernesto Gobbato, saiu de casa, na Rua Visconde de Mauá, rumo ao terreno onde, dali em breve, começaria a subir a nova igreja sonhada pelo padre Eugênio Angelo Giordani. A imponente construção já estava toda “planejada” na cabeça do pároco, faltava o lançamento oficial do início dos trabalhos.
Naquele dia, posicionou-se próxima da pedra fundamental, cercada de gente que ela sabia ser importante: o bispo Dom José Barea, o padre Giordani, o dentista Aparício Postali e a senhora Amália Sartori Burato, filha dos imigrantes Salvador e Angela Sartori e viúva de Rafael Buratto - devoto de São Pelegrino e responsável por ceder um terreno para o primeiro capitel erguido em honra a ele.
Na última quarta, data exata dos 70 anos de inauguração do novo templo, em 2 de agosto de 1953, dona Olga “retornou” a 1944. Vendo as fotos da bênção da pedra fundamental, recordou de todos os rituais católicos realizados na antiga capela de madeira: batismo, primeira comunhão, crisma e matrimônio, este último ocorrido em 16 de agosto de 1952 - um ano antes de a igreja de “de material” ficar pronta.
— Casei na igreja velha, mas acompanhamos de perto toda a construção da nova — recorda dona Olga, referindo-se aos pais, irmãos e ao esposo Carlos Bedin (in memoriam).
Trajetória no bairro
Moradora da Rua Cremona, dona Olga, aos 91 anos, soma-se a centenas de moradores do bairro São Pelegrino que tem na igreja um “templo” de histórias e momentos - desde o início da construção. A mãe, dona Joana Mezzomo Gobbato, auxiliava nas quermesses e festas que angariavam fundos para a obra - ali, Joana e Ernesto também participaram da missa das bodas de ouro, em 1977. Rogério, Rejane e Regina, os três filhos de Olga e Carlos, seguiram a tradição: foram batizados, fizeram Primeira Comunhão e Crisma, casaram na Igreja São Pelegrino.
Neste domingo, provavelmente, todos estarão ali para a missa alusiva aos 70 anos. Uma festa e um almoço que prometem dar continuidade a toda essa história.
A DOIS PASSOS DA IGREJA
Suzana Postali Fantinel, 82 anos, tem o bairro e a Igreja São Pelegrino “correndo nas veias” - não por acaso, a professora aposentada coordena as duas visitas guiadas que ocorrem neste sábado (leia mais ao final do texto).
Filha do inesquecível dentista Aparício Postali e de dona Guilhermina Andreazza Postali, Suzana nasceu no antigo casarão da esquina das ruas Feijó Jr. e Sinimbu, a poucos passos da igreja velha - sobrado posteriormente vendido para as freiras do Colégio São Carlos. Dali, a família migrou para outra esquina emblemática do bairro, a da Júlio com a Feijó, até mudar para o Edifício Francisco Oliva - construído exatamente na rótula onde ficava a antiga igreja de madeira.
Tendo a igreja como “quintal de casa”, a professora aposentada guarda a memória de São Pelegrino como poucos. E, incentivada pela família, resolveu eternizar isso nas redes sociais. Criado em 2014, o perfil Vivendo São Pelegrino, do Facebook, é um rico repositório de lembranças e memórias, em que a igreja, obviamente, é a protagonista de diversas histórias.
Uma delas, Como construir uma igreja monumental, dá detalhes preciosos de como o padre Eugênio Giordani mobilizou a paróquia para arrecadar fundos:
“Confiante no apoio dos membros da sua comunidade, criou uma Comissão de Festas, encarregada da realização de eventos, motivados por cerimônias religiosas de devoção aos santos padroeiros, seguidas de comemorações sociais. O cronograma anual foi assim determinado: 19 de março (São José), 26 de maio (Nossa Senhora de Caravaggio), 26 de julho (São Cristóvão) e 1º de agosto (São Pelegrino). Pela assiduidade e competência junto à igreja, integraram a comissão as senhoras Angelina Buratto, Anaide Andreazza, Amélia Pisani, Cesira Minguelli, Terezinha Paternoster, Pierina Rossatto, Stela Germani, Zoraide Sant’Ana, Maria Maggi e Teresa Reis.
A primeira reunião foi realizada na casa de Amália Buratto, a doadora do quadro de São Pelegrino, vindo da Itália. Estas senhoras, com seus esposos e familiares, iniciaram as campanhas para obtenção de recursos financeiros, como a venda de "tripada", preparada em suas casas. Os três panelões, de 20 kg cada um, eram rapidamente vendidos, sucesso prolongado por quase 10 anos. O senhor Carlos Casara era responsável pelo "caixa".
Prosseguindo, o cardápio foi ampliado com a venda de tortas e assados, e os locais das festas - no início, no meio da rua Feijó Júnior com a Av. Rio Branco, ou na pracinha João Pessoa - passou a ter melhores condições, na entrada do Colégio La Salle e no Ginásio do Colégio São Carlos.
Quando as obras da nova igreja possibilitaram um espaço adequado, as festas eram realizadas sobre um chão de cimento, em meio à uma floresta de andaimes de eucaliptos, com suas mesinhas quadradas e suas quatro cadeiras, e alguns espaços vazios cercados, para a realização dos jogos e brincadeiras, bastante disputados: a roda da fortuna, o jogo das argolas, pescaria, tiro ao alvo, telegramas, dedicatórias de músicas, rifas, colocação de florzinhas ou lacinhos de fita na blusa das senhoras ou no paletó dos homens, entre outras - de um lúdico ingênuo, que, na atualidade, pode-se concebê-lo somente em festas infantis.
No auge destas comemorações, ao lado da casa paroquial, foi instalada uma grande cozinha, com os fornos para os assados e bolos, o preparo dos cremes para os recheios, a montagem das tortas e suas criativas decorações, em coloridas geometrias. As festividades em São Pelegrino atraíam um grande número de participantes, que também vinham ouvir os tangos de sucesso, interpretados pelo dentista Carlos Rauber e filhos, junto ao senhor Frederico Guerra e o filho Nilo, o professor Lino Casagrande, o senhor Edi Martins, ao som do piano, violino e bandoneon. Além desta "Típica", brilhou também o conjunto "Guarani", formado por estudantes de música do Colégio São Carlos, entre elas Suely Nonnemacher, Nancy Baldisserotto, Eda Tartarotti e Eni Mariani. Grupo semelhante foi o "Marajoara", composto por alunas do Curso Comercial do mesmo colégio, cujo regente era o maestro João de Deus Gama.
Em termos musicais, destacamos o Coral da Igreja de São Pelegrino, que a partir de 1950 organizou-se sob a regência do maestro Pancrácio Scopel, substituído anos depois por Arnaldo Tondo. Esta trajetória de uma nascente comunidade no entorno de seu pároco até hoje empolga quem participou dela. E quer lembrá-la mais uma vez, para que outras gerações saibam o que é ter um sonho e poder realizá-lo, coletivamente, não só com as mãos, mas com os sentimentos de todos aqueles homens e mulheres, que, como o Padre Giordani, também acreditaram”.
ALDO LOCATELLI
Inaugurada em 2 de agosto de 1953, a Igreja São Pelegrino notabiliza-se pelo conjunto pictórico assinado pelo “mago das cores”, o italiano Aldo Locatelli. Entram aí a Santa Ceia, as aparições do Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida Maria Alecoque e de Nossa Senhora de Caravaggio à camponesa Joaneta, além dos murais A Criação do Cosmo, A Criação da Mulher, A Expulsão de Adão e Eva do Paraíso, e o Juízo Final - todos pintados a partir de 1951.
Outros destaques são os caixotões inspirados no hino do Juízo Final (Dies Irae), no teto, e a Via-Sacra, último trabalho desenvolvido por Locatelli para o templo. As telas, todas pintadas no atelier do artista em Porto Alegre entre 1958 e 1960, foram inauguradas em 22 de maio de 1960, durante as homenagens a Nossa Senhora de Caravaggio.
Elas dividem a atenção, nas laterais, com as não menos famosas Estações de Misericórdia - confeccionadas, a partir de 1956, pelo decorador auxiliar de Locatelli, o também italiano Emilio Sessa.
A todo esse conjunto histórico somam-se símbolos “mais recentes”, como o relógio de flores (criado por Remo Gianella em 1973), a réplica da Pietá (doada pelo Papa Pio VI em 1975), as portas de bronze de Augusto Murer (fundidas na Siderúrgica Tomé e inauguradas em 29 de outubro de 1983, 40 anos em 2023), o fac-símile do Santo Sudário, a Via Lucis de Rogério Baierle (na lateral externa), os anjos de bronze de Dilva Conte na Capela do Santíssimo e a marca inconfundível do escultor Nelson Aimi no mobiliário em madeira do altar e nos entalhes das molduras da Via-Sacra. Enfim, tudo que o público poderá conferir - e redescobrir - nas duas visitas guiadas deste sábado.
VISITAS GUIADAS E MISSA
Este sábado (5) reserva duas visitas guiadas, com uma hora de duração, pelo interior da igreja e pelo Memorial da Pedra, no subsolo. É ali que uma exposição permanente recorda de todos os detalhes do início do bairro, da paróquia e do surgimento das duas igrejas
Os passeios ocorrem às 10h e às 18h, sob a orientação da professora e moradora “raiz” do bairro Suzana Postali Fantinel. A participação é aberta a toda a comunidade. Já neste domingo (6), durante a missa das 10h, ocorre a homenagem ao padroeiro e aos 70 anos da igreja, seguida de grande almoço no salão paroquial, já com ingressos esgotados.
Mais informações na Secretaria Paroquial (Av. Itália, 54) ou pelo fone (54) 3221.2567. Saiba mais: www.saopelegrino.com.br ou no perfil do Facebook Paróquia São Pelegrino Caxias.