Desde o início de abril, todas as segundas-feiras à tarde a professora Daniela Prancutti chega ao Hospital beneficente São Pedro, em Garibaldi, para logo se dirigir a uma pequena sala no segundo piso. E é quase tão rápido quanto Clark Kent sai da cabine telefônica transformado em Super-Homem que Daniela deixa a pequena sala caracterizada como Tia Marieta, a palhaça que semanalmente se dedica a oferecer um momento de alegria às crianças, adultos e idosos acamados.
O projeto Leitura no Leito nasceu dentro do Grupo de Humanização formado por colaboradores do hospital, tendo como presidente a assistente social Dayana Cagliari. É Dayana quem acompanha Tia Marieta em seu trabalho voluntário semanal, que mistura contação de histórias, apresentação musical e brincadeiras diversas nos quartos onde os pacientes estão em boas condições para interagir com a personagem (exclui-se aí a UTI, a maternidade e leitos de isolamento).
O trabalho normalmente inicia por volta das 13h15min e pode se estender até as 17h, dependendo do número de visitas e o tempo dedicado a cada uma, normalmente em torno de 10 minutos. Na última segunda-feira, entre os pacientes visitados pela contadora de histórias estava o idoso Roberto Salvadore, 75 anos, que faz tratamento contra um câncer de intestino descoberto há pouco mais de um mês. Sempre acompanhado da esposa, Maria Antônia, 72, mesmo abatido com a doença o morador de Coronel Pilar brinca ao comentar sobre as visitas da Tia Marieta:
— A gente espera que nem novela.
A esposa considera que o momento de descontração é parte do que torna o tratamento recebido muito satisfatório, fazendo um elogio aos profissionais que atendem o marido:
— O SUS para a gente é tudo. Os médicos, os enfermeiros, todos nos tratam muito bem e a gente fica feliz quando chega a Tia Marieta com toda essa alegria, brincando e fazendo a gente rir. O tempo passa sem a gente nem ver.
Fazer com que o tempo de internação passe de forma mais leve é parte do que inspirou a criação do projeto, segundo conta a assistente social. É comum no ambiente hospitalar a preocupação com a saúde mental dos pacientes, e nisso também são comuns iniciativas lúdicas, como atividades artísticas. Levar um momento de leitura e a possibilidade de retirada de um livro por empréstimo é o diferencial que tem chamado a atenção na iniciativa realizada em Garibaldi.
— Além de ser um momento de prazer, também é uma forma de oferecer conhecimento neste período que pacientes e acompanhantes passam no hospital. A leitura só faz bem a todos que gostam dos livros e a gente acredita neste poder que as histórias têm de tirar a pessoa da sua realidade enquanto está em contato com o livro ou com uma revista. No final do dia, quem mais ganhou foi a gente, que sai de cada quarto com um aprendizado de vida — observa Dayana.
É claro que entre os beneficiados pelo projeto está a própria voluntária, que conta ter recebido o convite como um “presente de Natal” de uma prima que integra o Grupo de Humanização:
— Lembro que foi na noite de Natal que recebi o convite e fiquei muito feliz, porque era um sonho que eu tinha, de poder fazer um trabalho voluntário no hospital. Do fim do ano até o início de abril fomos alinhando a ideia e fazendo nascer a personagem, que nem estava no plano inicial. Foi algo que surgiu para dar mais cor e também diferenciar dos profissionais, que são reconhecidos pela cor do jaleco.
Daniela é professora na Apae há 17 anos. Ela aponta como um ponto em comum entre os dois públicos que agora fazem parte do seu dia a dia — pessoas com deficiência e pessoas em sofrimento por doença — a necessidade de trabalhar o resgate do otimismo:
— São dois ambientes onde as pessoas estão com sua autoestima abalada por diferentes motivos, mas em ambos os casos é preciso trabalhar o olhar, o escutar a atenção que é o que eles mais precisam. Mostrar que eles podem aprender, que eles podem ter esperança, puxar aquilo de bom que eles têm dentro deles.
Logo após ter visitado o idoso Roberto Salvadore em seu leito, Tia Marieta foi até o quarto onde o pequeno Thomas Lagunas, três anos, se recupera de uma cirurgia de apendicite. O menino era só sorrisos ao espiar as figuras do livro que a palhaça folheou à sua frente, enquanto contava a história. Thomasfez perguntas, ajudou a construir partes do conto e não escondeu a felicidade em receber a visita de um daqueles personagens coloridos que dias antes ele tinha visto apenas passar pelo corredor (quando outros palhaços, vestidos de médicos, fizeram uma ação pelo Dia do Trabalho).
— O Thomas adora qualquer tipo de brincadeira e estava ansioso desde que soube que ia receber uma visita para brincar com ele. Hoje (dia 8) fecha uma semana que ele está aqui e nossa expectativa é voltar para casa amanhã. Acho que ele vai sentir saudades da Tia Marieta — brincou Lidiane Amaral, mãe do menino.