Uma tarde de conversa foi pouco para o tanto de lembranças e histórias contadas por dona Inês Marlene Stürmer Raimann, a dona Marlene - ou vovó Marlene, como os peregrinos que percorrem os Caminhos de Caravaggio se referem a ela quando passam pela acolhedora pousada Recanto da Vovó, em Vila Oliva.
Dona Marlene, que completou 86 anos neste domingo, tem sua trajetória atrelada ao distrito “desde sempre”, embora não tenha nascido ali, naquele longínquo 29 de outubro de 1937. Filha de João Alcino e Elza Schöeler Stürmer veio ao mundo durante uma visita dos pais, moradores de Novo Hamburgo, à casa da avó Elisabeth, em Linha Imperial, interior de Nova Petrópolis. Foi a quarta de uma prole de nove irmãos, completada por Alceu, Irineu, Íris, Lia, Elizeu, Maria Irene (Mari), Célia Terezinha (Tere) e Romeu.
Anos depois, a família mudou para Gramado e, posteriormente para a localidade de Bentevi, farta em pinheiros e serrarias. Era onde seu João “puxava madeira” para o Caracol, em Canela. Vila Oliva veio na sequência, em meados de 1948. O pai de dona Marlene vendeu o caminhão e comprou o primeiro ônibus de transporte de passageiros do distrito, dando início às atividades do lendário Expresso Vila Oliva.
Instalados em um casarão de madeira e alvenaria de dois pisos ao lado da igreja (foto acima), os Stürmer instalaram ali a primeira hospedaria da localidade: a Pensão Central, com 10 quartos, mas sem banheiro - o que havia era a bacia, a jarra e o penico embaixo das camas. A hotelaria, no entanto, foi apenas uma das frentes de trabalho da família.
João Alcino foi um dos grandes batalhadores para que Vila Oliva deixasse de pertencer a São Francisco de Paula e fosse anexado a Caxias. Subprefeito do distrito, seu João tinha também autoridade de subdelegado - prendia “meliantes” num quartinho chaveado na parte de baixo do velho casarão.
Ali, a partir dos anos 1950, funcionaram também a central telefônica, o correio, a subprefeitura, a subdelegacia, a rodoviária e um barzinho, com alguns comes e bebes - sem geladeira, as bebidas eram mantidas “frescas” em um buraco cavado na terra.
Detalhe: seu João também irradiava a programação radiofônica. “Colocava o aparelho na janela e ligava para as pessoas ouvirem”, recorda dona Marlene.
CASAMENTO EM LINHA IMPERIAL
Dona Marlene conheceu o jovem Günter Franz Raimann em Linha Imperial, em meados dos anos 1950. Foi quando passou uma temporada na localidade, aprendendo a costurar com as tias.
Após três anos de namoro, o casamento chegou em 24 de outubro de 1959, com cerimônia religiosa na Igreja Matriz de São Lourenço. Da união nasceram quatro filhos: Carlos Rogério, Luiz Fernando, Marcia Cristina e Marcos Aurélio, que lhe deram oito netos: Gabriela, João Pedro, Vitória, Luisa, Isabelle, Germano, Júlia e Gustavo (fotos abaixo).
Seu Günter faleceu em 2015, aos 80 anos.
ESCALDA PÉS E MESA FARTA
Além de retomar uma tradição familiar no segmento da hospedagem, o Recanto da Vovó surgiu como um renascimento, após dois anos de pandemia. Na carona do crescente movimento de peregrinos que percorrem a rota Caminhos de Caravaggio, Dona Marlene e a irmã Mari resolveram abrir as portas de casa para, mais do que acolher, “viajar sem sair de casa”.
- Sempre chegam pessoas novas, contando histórias diferentes, de lugares diferentes - conta dona Marlene.
Outro detalhe que faz a fama da pousada é o escalda pés oferecido aos hóspedes que chegam exaustos da caminhada. O kit, contendo sal grosso, essência de ervas, camomila, alecrim, calêndula e lavanda, ajuda no relaxamento, além de promover bem-estar imediato.
Isso sem falar na farta mesa do café, em que receitas tradicionais de família, como cucas, geléias e biscoitos, dividem o cardápio com experiências de vida e relatos pra lá de emocionantes. O resultado, dona Marlene exibe com um sorriso largo:
Eu rejuvenesci com esse caminho, ele me faz muito bem.