Dando sequência às colunas sobre a trajetória da Cooperativa Vinícola Santo Antônio, destacamos hoje o incêndio que atingiu o prédio da cantina às vésperas do Natal de 1967. O acidente ocorreu no fim da tarde de 23 de dezembro, junto ao complexo da Rua Machado de Assis, 190, fundos do atual Bourbon San Pellegrino.
Quem ajuda a recontar toda essa história é o autor e pesquisador da cultura da imigração italiana Floriano Molon. Parceiro informal da coluna Memória, seu Floriano coletou diversos detalhes daquele período com o enólogo João Vignatti, 85 anos, um dos mais antigos da região — e que estava na fábrica no dia do incidente.
Conforme Vignatti, que iniciou na vinícola naquele mesmo ano de 1967, o sinistro deu-se no pavilhão que abrigava as pipas.
“Foi enquanto o funcionário Albino Modesto Demoliner realizava o serviço de enxofragem, ou seja, queimar o enxofre dentro dos vasilhames de vinho que não estavam cheios. Mas, por infelicidade, ele teve o descuido de abrir um recipiente em que havia uma pequena quantidade de álcool. Quando foi realizar a enxofragem, ocasionou a explosão. O funcionário foi tomado pelas chamas, caindo ao chão, mas mesmo assim conseguiu chegar até a porta. Foi atendido e levado ao hospital, não resistindo e vindo a falecer. Eu, no momento da explosão, estava a seis metros do local, em outra ala da vinícola. Estava acompanhado pelo Dino Deboni, que era o chefe de cantina. Com a explosão, as portas se trancaram, obrigando que utilizássemos de muita força para fugir”.
Seu João Vignatti completa que a estocagem da Cooperativa Santo Antônio, na época presidida pelo senhor Raul Bigarella, abrangia em torno de 3 milhões de litros de vinhos. Aproximadamente 30% foram perdidos, enquanto o restante foi transportado para uma vinícola próxima e ainda pode ser utilizado — o que não tinha qualidade foi encaminhado para destilação. Já o escritório e o setor de engarrafamento, localizados do outro lado da Rua Machado de Assis, não foram atingidos pelo incêndio.
Fotografias escassas
Em relação às imagens, não conseguimos localizar registros do incêndio em si. O que temos são fotografias do entorno da vizinha Sociedade Brasileira de Vinhos, cujo complexo abrangia o terreno do atual Bourbon San Pellegrino. Na imagem que abre a matéria, um trecho da Rua Machado de Assis, onde a Santo Antônio funcionava.
Abaixo, a Av. Rio Branco e a fachada da Sociedade Brasileira de Vinhos. Ao fundo, à esquerda, parte da Santo Antônio, junto à linha férrea.
A morte de Albino Demoliner
Matéria do Pioneiro de 30 de dezembro de 1967 trouxe mais detalhes sobre o acidente e a única vítima: o operário Albino Modesto Demoliner, de 53 anos. Conforme o texto da época, Albino era filho de Angelo Demoliner e Orelia Cattani Demoliner. Nascido em Flores da Cunha em 9 de fevereiro de 1914, ele foi admitido na Cooperativa Vinícola Santo Antônio Ltda em 1º de outubro de 1960. Consta na reportagem de 1967:
“O sr. Albino Modesto Demoliner, quando colocava enxofre incendiado nas pipas de vinho, para conservação do produto, não se apercebeu que numa delas se continham 2.500 litros de álcool, de onde se originou o grande incêndio.Quando o fogo manifestou-se, saltou do alto da pipa, mas foi atingido pelo álcool em chamas. Recolhido ao hospital, não resistiu às extensas e profundas queimaduras sofridas, vindo a falecer mais tarde”.
Abaixo, a reprodução da matéria original.
Os prejuízos
Reportagem do Pioneiro da época também destacou os prejuízos às vésperas da colheita da uva:
“Apesar dos esforços dos bombeiros – duas unidades de Caxias do Sul e uma de Farroupilha –, que tinham de ir buscar água longe do local do sinistro, a cantina foi destruída totalmente, assim como milhares de litros de vinho. Os prejuízos foram calculados em 250 milhões de cruzeiros antigos, enquanto o seguro era de somente 80 milhões. A Cooperativa Vinícola Santo Antônio Ltda congrega agricultores principalmente do vizinho município de Flores da Cunha, e os prejuízos sofridos serão mais ponderáveis em virtude de não ser possível recuperar a cantina destruída até a próxima safra, em fevereiro vindouro”.
Retorno a Flores da Cunha
Conforme Floriano Molon, logo após o incêndio ficou decidido que a cooperativa seria transferida para Flores da Cunha, onde residiam a maioria dos seus associados. Porém, somente em 1975 foram iniciadas as obras da nova sede.
O processo demorou quase um ano, até que em julho de 1977 iniciou-se oficialmente a mudança administrativa da empresa para as antigas instalações da Cooperativa Vitivinícola Trentina Ltda –uma das incorporadas pela Santo Antônio em 1938 –, na Av. 25 de Julho. É onde em breve deve surgir o Complexo Nova Aliança, contemplando hotel e um centro comercial com museu da uva e do vinho, restaurante e centro de eventos.
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