Se vivêssemos tempos normais, a celebração teria música, farta gastronomia, igreja lotada, salão “entupido” de gente e tudo mais que caracteriza uma legítima “festa de colônia”. Mas neste sábado, 22 de maio de 2021, quando se comemoram os exatos 100 anos da inauguração do imponente campanário de Otávio Rocha, em Flores da Cunha, tudo isso teve de ser cancelado.
A programação oficial de aniversário resume-se a uma missa de ação de graças, às 18h, e a uma nova bênção da torre – tudo transmitido pelo Facebook da Paróquia de Otávio Rocha. De sexta (21) a domingo (23), o campanário deverá receber uma iluminação especial.
Com ou sem pandemia, porém, a trajetória desse símbolo da imigração é constantemente recordada. E vem ganhando, desde o último mês, postagens detalhadas do pesquisador Floriano Molon, um dos maiores entusiastas da história da colonização italiana na região. Reproduzimos a seguir um desses textos do Facebook de seu Floriano, que destaca o surgimento da igreja e da torre, à época em que Otávio Rocha chamava-se Travessão Marcolino Moura e ainda pertencia a Caxias:
“Os imigrantes que se estabeleceram nos travessões da 10ª Légua, vindos todos de Vicenza, em 1882/83, criaram uma espécie de ilha vicentina. Ali se falava, se comia, se vestia, se construía, se plantava... como se fosse lá, em suas origens. Este sentido de união, e a fartura nas propriedades rurais, estimulou-os a concentrar seus serviços comunitários em uma área não planejada para tanto pela Colônia Caxias, mas, sim, num pedaço de lote do Travessão Marcolino Moura (primeiro nome de Otávio Rocha). Ali, edificaram, de 1900 a 1905, a primeira capela de alvenaria dedicada a São Marcos. Em seguida, compraram três sinos na indústria de Pietro Cobalchini em Bassano del Grapa (Vicenza), colocados inicialmente em um campanário de tábuas. Logo veio a decisão de construir um campanário de pedra para colocar em definitivo os três sinos. Tal obra também tinha o objetivo de mostrar a força dos moradores, que se propuseram a construir um monumento para sempre. Autorizados pelos Freis Capuchinhos, calcularam os custos e os dividiram entre as 37 famílias, todas produtoras de vinhos. Quem fazia mais vinho, pagava mais. Em 10 de março de 1919, foi contratada a construção do campanário. Em 10 de novembro de 1919, foi dada a bênção à pedra angular”.
A inauguração
Em pedra e alvenaria – e com uma estátua do Cristo Redentor executada por Michelangelo Zambelli no topo –, o campanário somava os 35 metros anunciados. Conforme Molon, o dia da inauguração, em 22 de maio de 1921, teve missa solene celebrada pelo padre Giulio Scardovelli (Nova Pádua), coadjuvado pelo vigário de Caxias, Giovanni Meneguzzi, e pelo reverendo Luigi Maria, capuchinho da antiga Nova Trento.
Toda a programação foi destacada no jornal Stafetta Riograndense de 8 de junho de 1921:
“No final da missa, iniciou-se a maravilhosa procissão, procissão tão numerosa e bela que o habilidoso fotógrafo (Julio) Calegari, de Caxias, quis tirar duas fotos. Em seguida, o Reverendíssimo Canônico abençoou a torre. Seguiram-se outras atividades religiosas e o chamado banquete para as autoridades civis e religiosas. No final da refeição, o vigário de Caxias, Dom Giovanni Meneguzzi, fez um brinde geral e a todos os marcolinaros, acrescentando sorrindo: “Vocês foram melhores que os caxienses, porque começaram o seu campanário depois do nosso e terminaram antes.”
A saber: idealizado ainda em 1917, com as fundações e a colocação da base de pedra, o campanário de Caxias, ao lado da Catedral Diocesana, só foi entregue à comunidade 90 anos depois, em 15 de outubro de 2007, durante a Festa de Santa Teresa D’Ávila.
Luiz Segalla, o construtor
Na comemoração dos 100 anos do antigamente chamado “Campanil da Marcolina”, imprescindível destacar uma figura singular em toda essa história: o imigrante italiano Luiz Segalla. Ele comandou a construção da primeira igreja de alvenaria, entre 1903 e 1905, e da parte de pedra da torre (cerca de 25 metros), entre 1919 e 1921.
Natural da localidade de Sovizzo, em Vicenza, Luigi (no Brasil, Luiz), chegou ao Brasil aos sete anos, em 1877, na companhia dos pais, Valentin Segalla e Luiza Silvestri, e dos irmãos José e Virgínia. Começou a trabalhar com apenas 12 anos, aprendendo o ofício de pedreiro na então vila de São Sebastião do Caí.
É atribuído a Luiz Segalla o reboco, o acabamento e o piso de mosaicos da Catedral Diocesana de Caxias, além de várias capelas e igrejas da região.
Os sineiros
Conforme informações do historiador e pesquisador Floriano Molon, entre os primeiros sineiros que fizeram ecoar o som do campanário estão alguns integrantes da família Galiotto. Por morarem próximos à estrutura, destacaram-se posteriormente nomes como Anacleto Molon, Jaime e Gilberto Molon, Sétimo Molon e familiares, Francisco Zilli, Nício Bortolosso, Eremi Tadiello e Bruno Zorzin.
Cinquentenário em 1971
Durante boa parte do ano de 1971, Otávio Rocha celebrou o cinquentenário de sua torre. Durante a Festa de Nossa Senhora da Saúde, em novembro de 1971, foi descerrada a placa comemorativa.
Fotos compartilhadas no perfil do senhor Floriano Molon destacam a multidão que participou dos atos, bem como das celebrações religiosas. Destacamos abaixo o próprio Floriano, ao microfone, conduzindo a cerimônia, acompanhado pelo senhor Sétimo Molon, por muitos anos o sacristão da igreja.
Símbolo comunitário
Para concluir, seu Floriano resume a importância e o simbolismo da torre de Otávio Rocha:
"Um campanário, mais do que uma obra, é a representação da união de uma comunidade".
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