Ela é uma das professoras mais antigas e lembradas do distrito de Santa Lúcia do Piaí. E neste mês chega aos 84 anos. Falamos de dona Maria de Lourdes Ildegar Jung Ferrazza, conhecida carinhosamente por seus alunos como "Profe Ilde".
Filha do casal João Edgar Jung e Olga Lucia Finkler, dona Ilde nasceu em 30 de janeiro de 1936, no município de Alegrete – é a segunda de uma prole completada pelos irmãos Harry Jung (padre da ordem dos Josefinos, falecido em 2019), Olga Rachel Jung Soares (também professora e falecida em 2011), Antonia Norma Jung Boschetti e Lúcia Maria Jung Rigotti.
Conforme informações repassadas pelo historiador Éder Dall’Agnol dos Santos, que vem pesquisando a trajetória das famílias pioneiras do distrito de Santa Lúcia do Piaí, os pais de Ilde casaram na localidade de Vale Real em 1928, indo residir na Vila de Santa Lúcia no ano seguinte.
De origem alemã, seu Edgar atuava em um curtume, destacando-se como o primeiro sapateiro e seleiro da localidade – a mudança para "o Alegrete" deu-se em 1930, após o jovem ser convocado a servir no Regimento da Cavalaria, o que obrigou a família toda a estabelecer-se na fronteira oeste do Estado.
O regresso à Santa Lúcia do Piaí ocorreu quando a menina tinha apenas três anos, em meados de 1939, – principalmente pelo fato de a mãe, dona Olga, não ter se adaptado muito ao clima da região. De volta à antiga vila, a jovem Ilde sonhava ser costureira, atividade que já desenvolvia esporadicamente. Porém, como só o pai trabalhava e a família necessitava de mais uma renda, Ilde, aos 16 anos em 1952, foi convidada por um amigo de seu Edgar – e a pedido dele – a começar a lecionar.
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Atuação política
Filiado ao antigo Partido de Representação Popular (PRP), seu Edgar Jung era conhecido na esfera política dos anos 1940 e 1950, sendo amigo de nomes influentes do período, como Isidoro Moretto, Onil Xavier Dos Santos e Hermes João Weber – foi por meio dessa condição que ele solicitou ajuda para a filha.
Com um conhecimento básico, a jovem Ilde começou a lecionar na comunidade de Linha Paese, no lugar da docente que havia se aposentado. Poucos meses depois, ela assumiria a Escola Municipal Julia Lopes de Almeida. Com o fechamento do ano letivo, Ilde foi designada, então, para lecionar na Escola Municipal Felipe de Oliveira, na localidade de Linha Sertória Baixa, às margens do rio Caí. Uma aventura, conforme detalhado pela própria dona Ilde quase sete décadas depois (leia mais abaixo).
De volta a 1953
Os detalhes dos primeiros tempos como professora foram recordados por dona Ilde durante uma entrevista à servidora municipal Sonia Storchi Fries, responsável pelo Banco de Memória do Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami. Confira parte da entrevista, realizada em 2019, em sua transcrição original.
"E daí a gente tinha um atalho pra descer num morro, era um zigue-zague assim que sobe burros, porque o burro sabe… era… eu nem sei dizer, nem picada era, o burro ia assim, né? Em zigue-zague. Cheguei na casa, não vi nada. Ouvia barulho assim de água, parecia que chovia, não sei. Bom, chegamos na casa, o dono veio me cumprimentar e me disse: "Bom dia! Então é a senhora que vai ser a professora?". Eu já estranhei aquele bom dia porque era noite. Depois, então fui dormir e tal. A noite inteira não consegui dormir, sabe aquelas janelas só de tampão, assim sem vidro, sem nada, sem luz, e aquele barulho a noite inteira… Eu disse: "Meu Deus, o primeiro dia que eu estou aqui e é chuva!". De manhã, quando eu acordei, tinha uma outra menina da casa, ela dormia comigo, aí eu abri a janela, olhei pra cima, morro e o barulho, era o rio Caí. A noite inteira o barulho da água do rio, e eu achei que fosse chuva. Depois eu fui tomar café, olhei assim, morro, morros, eu estava no meio de quatro morros. Eu me lembro que tinha uma marcha de Carnaval que dizia "Entre quatro paredes, uma porta, uma janela". Eu, entre mim, disse, "Entre quatro morros, aqui estou eu, longe de tudo" (risos). Meu Deus! Mas olha, os donos foram muito bons".
Na praça de Santa Lúcia
Na imagem que abre a matéria, dona Ilde e um grupo de amigas na Praça de Santa Lúcia do Piaí no final dos anos 1950. A partir da esquerda, atrás, estão Neusa Mielke, Clarice Daneluz, Catarina Cavalli, Zaira Scalcon, Nuely Communello, Maria de Lourdes Trapp e Ildegar Jung. À frente, Dirce Zini, Iracema Daneluz, Lisete Scalcon, Loirena Tomazzelli e Leonice Daneluz. Ao fundo, o antigo casarão do senhor Alcides Aguzzolli.
Abaixo, Ilde e o irmão Harry Jung, por volta de 1939.
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Colaborador da coluna Memória, o historiador Éder Dall’Agnol dos Santos vem pesquisando a trajetória de diversas famílias que ajudaram a colonizar o distrito de Santa Lúcia do Piaí desde finais do século 19. O trabalho, segundo ele, deverá ser transformado em livro em breve.
Moradores do distrito que tenham interesse em colaborar com fotos e dados sobre suas famílias ao longo do século 20 podem entrar em contato pelo e-mail ederdallagnol89@gmail.com ou telefone/whatsapp (54) 98449.9186.
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