
O advogado Daniel Nardon, um dos alvos da operação da Polícia Civil na manhã desta quinta-feira (8), moveu 132 processos em nome de apenas uma pessoa. A informação consta em um documento encaminhado ao Núcleo de Monitoramento do Perfil de Demandas, órgão ligado à Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça, em 2024.
O mesmo documento mostra um outro caso, de uma mulher, que teve 110 ações movidas até novembro de 2024, todas contra instituições financeiras e associações. Também são vistas ações com valor de causa de R$ 16,02.
Além desse alerta, Zero Hora apurou que, em fevereiro deste ano, um juiz negou pedido feito pelo advogado ao identificar 60 ações movidas por ele em nome de uma mesma pessoa.
"Deparei-me com uma lista de 60 processos. Isso mesmo, sessenta processos ATIVOS. Uma única pessoa ajuizou sessenta ações. Em todas as ações foi concedida a gratuidade judiciária. A maior parte das ações foram patrocinadas pelo mesmo escritório de advocacia. Muitas em Canoas, outras em Porto Alegre. A lista chamou atenção do Juízo, uma vez que em TODOS há uma instituição financeira no polo passivo", escreveu o juiz Luciano Gauer na decisão.
Ao fim, o magistrado pede que a OAB seja oficiada, além do Núcleo de Monitoramento do Perfil de Demandas, do Tribunal de Justiça.
Contatado pela reportagem, o advogado que representa Daniel Nardon, Ricardo Breier, disse que ainda está se inteirando dos fatos.
A operação
A Operação Malus Doctor investiga um grupo de advogados suspeito de fraudar procurações judiciais para contratar empréstimos em nome de clientes e lesar instituições financeiras com processos fraudulentos. Estima-se que o grupo teria movimentado R$ 50 milhões e lesado mais de 10 mil pessoas com o esquema.
Policiais da 2º Delegacia de Polícia de Porto Alegre cumpriram 74 mandados judiciais nesta quinta-feira (8), sendo 35 de busca e apreensão, em Porto Alegre e Glorinha, na Região Metropolitana, e Xangri-lá, no Litoral Norte. Dos 14 alvos, nove são advogados e têm ordens de suspensão do exercício da advocacia em seus nomes.
O escritório investigado é Daniel Nardon Advogados Associados, com sede no Centro Histórico de Porto Alegre. O delegado responsável pelo caso, Vinícius Nahan, explica que os alvos do grupo eram clientes que buscavam renegociar juros que consideravam abusivos sobre empréstimos junto a instituições financeiras. Com os dados destas pessoas, os advogados teriam contraído novos empréstimos sem o consentimento das vítimas e ajuizado ações revisionais contra os bancos.
Conforme a Polícia Civil, o escritório teria registrado mais de 145 mil ações judiciais "potencialmente fraudulentas", sendo 112 mil no Rio Grande do Sul e mais de 30 mil em São Paulo. O principal alvo da investigação seria responsável por 47% de todas as ações contra instituições financeiras registradas no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) e o quinto maior litigante na mesma corte.
Como funcionava o esquema
Segundo a Polícia Civil, após ajuizar processos revisionais contra as instituições financeiras, o grupo contratava um empréstimo em nome dos clientes e o valor entrava na conta deles. As vítimas acreditavam que a quantia era uma indenização por conta da ação judicial.
O grupo então cobrava honorários de 30% sobre o montante do empréstimo. Posteriormente, o escritório também se apropriava do valor referente ao processo ajuizado sem o conhecimento do cliente.
— Eles (advogados) ajuizavam ações sem as pessoas saberem. As vítimas são aposentados, servidores públicos, professores estaduais e policiais militares, porque esse escritório acaba fazendo a captação junto à associações de professores e de policiais militares. Além de não repassar o dinheiro para os clientes, as pessoas acabam também não sabendo que têm uma ação no nome dela — ressalta o delegado.
Nahan conta que o principal alvo da investigação criou duas associações, uma de defesa dos consumidores e outra voltada a defesa dos servidores públicos do Rio Grande do Sul. Ambas as entidades atuavam na captação de clientes, que viriam a se tornar vítimas do grupo, com a oferta de reduzir a taxa de juros em empréstimos.
Nota do advogado de Daniel Nardon
Contatado pela reportagem, o advogado que representa Daniel Nardon, Ricardo Breier, disse que ainda está se inteirando dos fatos.
Confira a nota:
"O escritório Breier & Advogados informa que está atuando na defesa do advogado Daniel Nardon, no âmbito da Operação Malus Doctor, deflagrada pela Polícia Civil do Rio Grande do Sul na manhã desta quinta-feira, 8 de maio.
Esclarecemos que, até o presente momento, a defesa não teve acesso aos autos da referida operação. Tão logo isso ocorra, serão adotadas as medidas jurídicas cabíveis.
Reiteramos o compromisso com o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, pilares do Estado Democrático de Direito, bem como a presunção de inocência, que deve ser plenamente assegurada a todo cidadão".