"O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente".
Essa definição incrível do Mario Quintana sugere que o lugar ocupado pelo passado está, exclusivamente, na memória — que pode ser ativada por fotos ou músicas, por exemplo. Às vezes, são até memórias inventadas, porque conforme o tempo passa, a precisão dos detalhes vai dando lugar à fantasia e tornando tudo até mais bonito (ou trágico) do que foi.
Gosto bastante de frequentar museus e imaginar possíveis histórias dos objetos que ali estão. É impossível visitar o Palácio de Hofburg, onde está abrigado o Museu Sissi, em Viena, e não ficar profundamente tocada pela vida da imperatriz, que era uma mulher destemida e inteligente e que sofreu absurdamente até morrer precocemente. A mesma atmosfera que mescla dor e esperança pode ser contemplada na Casa da Anne Frank, em Amsterdã. Conhecendo o final da história e acompanhando o desejo da garotinha de recomeçar, a visita torna-se extremamente angustiante — é difícil não sair triste de lá, ainda mais sabendo que os horrores das guerras estão longe de terminar.
Eu amo ver os objetos nos nossos museus — Casa de Pedra e Museu Municipal — sejam as roupas de cama com bordados e detalhes feitos a mão, sejam os penicos embaixo das camas ou tamancos de madeira. Ajudam a imaginar como era a vida no princípio da colonização e a entender como os comportamentos se transformaram. E como algumas peças ainda podem ser encontradas nas casas dos nossos nonos, criando uma ligação afetiva com aquilo.
Um dos acervos pessoais mais inusitados que vi na vida estava no Museum of Broking Relationships, em Zagreb, na Croácia. Como o próprio nome diz, tratam-se de peças doadas ao espaço depois que os relacionamentos terminam. Pode ser um vestido usado no primeiro encontro com a pessoa amada, a chave da casa que compartilhavam ou a estátua de um gnomo de jardim destruído após um ataque de fúria. A organização do museu parte do princípio que, em uma separação, é mais fácil decidir quem fica com a tevê ou a geladeira, mas o que será feito dos objetos íntimos e cheios de significados para aquele casal?
Há, também, quem tenha tido a ideia de monetizar a situação: a australiana Annabel Acton decidiu desfazer-se de todos os presentes que havia ganho de ex-namorados e criou o site Never liked it Anyway (algo como "nunca gostei disso mesmo"), num exercício rentável que mistura desapego e desabafo, já que as pessoas podem contar os porquês estão se livrando das peças. Estão, na verdade, desfazendo-se das memórias, da possibilidade de evocar lembranças (felizes ou tristes) de momentos.
Li esses tempos que, com o fim de um relacionamento, extingue-se também uma língua — aquela que só fazia sentido ao dois. Achei bem poético. E, da mesma forma, acredito que novas línguas estão sempre prontas a serem criadas, para quem não deixa de acreditar. Aos céticos, só resta trazer à tona aquilo que já se foi.