Eu queria que meu filme tivesse a estética e as cores das obras do Pedro Almodóvar — aproveitando, vale muito a pena assistir a Mães Paralelas, obra que retrata lembrança e esquecimento, amor e fascismo, descaso e empatia, para dizer o mínimo. Ou que tivesse a simetria das cenas de Wes Anderson, com alguns personagens pouco convencionais. Ou algum acontecimento especial narrado em um longo plano-sequência, como se feito por Martin Scorcese. Ou com a emoção dos momentos vista a partir de um close extremo como faz Steven Spielberg. Ou, ainda, cheio de diálogos improvisados que não terminam e com muitos temas existenciais, como se idealizados pelos criadores da Nouvelle Vague.
Mas, principalmente, quero ter dificuldade de escolher algum pedaço maravilhoso daquilo que vi e vivi para lembrar. Quero, também, não deixar histórias mal resolvidas que possam atormentar a alma, seja por anos ou no juízo final, aquele que ocorre todos os dias no travesseiro. Além disso, quero aceitar os arrependimentos como parte da jornada — só erra quem faz, né?
Fiquei pensando nisso depois de ler que uma equipe de cientistas monitorava as ondas cerebrais de um paciente de 87 anos com epilepsia e, bem naquele momento, ele teve um ataque cardíaco fulminante. Foi possível, assim, registrar a atividade de um cérebro quando ele está morrendo. E a descoberta supõe que passa um filme na nossa cabeça antes de morrermos. Não dá para saber se com imagens felizes ou aborrecimentos, alegrias ou arrependimentos. Ok, não dá ao menos nem para ter uma comprovação científica sobre isso, é apenas uma percepção a ser mais estudada.
O monitoramento mostrou que nos 30 segundos antes e depois da morte, as ondas cerebrais mantiveram os mesmos padrões de sonhar ou lembrar de algo. Isso sugere, conforme a equipe publicou na revista científica Frontiers in Aging Neuroscience que uma “recordação final da vida” pode ocorrer nos últimos momentos de alguém.
Às vezes eu fico olhando para determinadas cenas que estão acontecendo comigo — exatamente no momento em que acontecem — e pensando de que o momento é tão sublime que poderia ser congelado. E não estou falando de postar foto para a posteridade, mas justamente do contrário: das cenas que aquecem tanto os sentidos que não precisam de nada além delas mesmas para se eternizarem. Aí eu respiro, agradeço e dou um jeito de guardar a sensação que tive ao experimentá-la — para depois poder lembrar.
Só de escrever esse texto, sorri pensando em alguns deles (não sei exatamente o porquê, mas só apareceram boas referências). Vou ficar pensando em mais alguns deles — quero ter ainda muito mais! — e que sejam coloridos e duradouros.