Quem tem criança na família sabe que o Natal ganha novas cores com a mística do Papai Noel, que se mistura aos convivas e dá um ar de festividade ainda maior aos encontros. Lá em casa, temos até uma música própria que sempre é iniciada pelo Tio Vi, batendo palmas e caminhando pela sala — eis a deixa para todos entrarem no clima.
Agora, temos Henrique e Pedro que trazem seus olhinhos brilhantes e sua imaginação para a ceia. O primeiro, com a curiosidade do seu segundo Natal, o outro, espertíssimo, cheio de perguntas e expectativas aos quatro anos. Para os mais crescidos, a graça é diferente: valem os encontros de primos e tios que não têm a sorte de se ver sempre, a música, as risadas, os brindes em copos e líquidos diversos, as histórias engraçadas de passado e futuro, as poses para fotografias. O amor condensado em abraços demorados e também diluído em pacotes enfeitados com laços enormes.
Natal, ao lado do aniversário, é minha data festiva favorita. Acho que porque une duas das minhas predileções: gente reunida e espaço para subjetividade. Mas tenho consciência que essa é uma percepção privilegiada. É como a história do filósofo Sócrates, cuja mãe era parteira. Ele dizia que mesmo ela sendo a melhor do vilarejo na função, seria incapaz de dar à luz uma mulher que não estivesse grávida. Adepto da maiêutica, o filósofo defendia que o verdadeiro conhecimento deve vir de dentro, a partir de uma acertada (e estimulada) opinião própria. Ou seja, para a “mágica” acontecer, em qualquer esfera, a outra pessoa precisa fazer sua parte.
Isso se aplica também aos anseios natalinos. Volto ao meu lugar de privilégio e à minha adoração pelo Natal. Sei bem que ele só ganha contornos reais para quem tem esse universo dentro de si. E isso não é uma metáfora simples de explicar, até porque parece óbvia demais. Ouvi de minha mãe, alguns anos atrás, sobre crianças em situação de vulnerabilidade social que tinham sido levadas a contemplar a decoração natalina em um shopping da cidade. Ursos fofinhos e enormes, caixas de presentes, estrelas, renas e tudo o que remetia ao período estava ali, exageradamente exuberante, para encher os olhos de cada um que parasse para apreciar a arrumação festiva. Mas, para aquela meninada, cuja vida é dura desde a infância e a ludicidade passa longe dos dias, o espaço não despertou a menor curiosidade. Nem o shopping, ambiente tão desconhecido quanto desinteressante.
— São crianças que não têm sonhos, que não foram estimuladas a usar a imaginação. Aquilo não representa nada na vida delas.
Aí está mais um dos abismos imperceptíveis que, bem de vez em quando, chegam ao outro lado do muro.
Que a possibilidade de se encantar com as singelezas — verdadeiras ou fabricadas — seja percebida como uma grande dádiva, no Natal ou em qualquer dia da vida. E que 2022 venha devagarinho, para aguçar nosso olhar e potencializar nossos afetos.