Dudu me disse, meses antes de morrer, que não concordava com a ideia de que a pessoa precisa passar por um período de sofrimento ou doença para valorizar a vida e a saúde. Concordei muito com ele e passamos a falar sobre como é importante aproveitar o presente, resolver pendências, declarar afeto a cada dia. Ele não tinha medo de se lançar ao mundo, de forma literal ou figurada. Era intenso e transformava tudo em boa crônica. Só que, ao contrário do pensamento do meu amigo, vivemos em uma sociedade que romantiza o sofrimento, né?
A situação foi difícil? Ah, mas ao menos serviu para ensinar alguma lição. O dia foi complicado? Ah, mas deve ter trazido aprendizados... É como se os momentos ruins fossem imprescindíveis para nos tornar quem somos. Em parte, isso até é verdade. Não nos resta muita alternativa a não ser encontrar algum sentido e ressignificar os aborrecimentos. Mas, por outro lado, se olharmos para trás com sinceridade — e pudéssemos escolher — com certeza alguns acontecimentos não deveriam fazer parte da nossa vida. É melhor nos arrependermos por algo que fizemos do que aquilo que ficou no “se”, mas mesmo assim nem sempre serve de alento. E precisamos ter tranquilidade e maturidade para dizer sim para os arrependimentos.
A vida não volta atrás, fato, e nos resignamos, mas não precisaríamos ter passado por algumas situações. Simples. Chega de tanto aprendizado, né (contém ironia)?
Quem não ouviu — e acreditou — que a pandemia, com todos seus medos, lutos e privações, nos tornaria melhores? Pois bem, passados dois anos desde o início dela, percebo que nos enganamos. Quem era bom e solidário continuou bom e solidário. Quem não era, não melhorou. E, nesse ínterim, quase todo mundo sofreu mais do que deveria e alguns ainda sentem os efeitos dessa transformação forçada. Nem sei se voltaremos a ser quem fomos. Duvido que alguém escolhesse passar por isso a fim de evoluir.
Gosto da ideia de que sempre vale mudar o ponto de observação sobre as situações, especialmente as que vivemos. Lembro uma história engraçada que uma senhora me contou anos atrás que, nas aulas de artesanato que ministrava, os minutos serviam como uma espécie de terapia/catarse coletiva para as mulheres da turma.
— Às vezes, uma chegava triste com o marido, com as atitudes dele, contava para as colegas e cada uma começava a contar sua história matrimonial. Aí, aquela que achava que o marido era ruim, voltava para casa feliz da vida, o achando ótimo, porque o das colegas era bem pior — disse, rindo.
Ou seja, há sempre uma forma para aliviar o sofrimento, relativizá-lo. Rir sempre é uma alternativa. Olhar para si em busca de respostas, outra. A parte boa de seguirmos vivendo e pensando sobre, é que conseguimos encontrar saídas para tornar a nossa existência, senão plena e feliz, minimamente suportável, pontuada por momentos de deleite. Voltando ao Dudu, em um dos últimos textos que publicou nas redes sobre passar o feriado fazendo um exame chato, ponderou “sei que é apenas uma circunstância da vida, uma impermanência, que usando a lente certa, leve, dá para tirar de letra, sem qualquer tom de contrariedade”.
Que ao menos possamos escolher as lentes que melhoram o nosso olhar — e possamos jogar fora, sem arrependimentos, aquelas que deixam a vida turva.