O coração que está em paz vê festa em todas as aldeias, diz o provérbio hindu. Mas como tem sido difícil conseguir essa proeza...
Sei que o senso comum diz que nada chega por acaso até a gente: se não for bênção, é lição! Haja aprendizado nesses últimos meses!
Ouso dizer que só olhando para dentro a gente consegue reconhecer isso, conectar-se com a essência. Nem sempre a solidão é tão evidente como na obra-prima do pintor realista norte-americano Edward Hopper (1882 -1967), Aves da Noite. Nela, três pessoas estão sentadas no balcão de uma cafeteria e mostram o quanto estão distantes do mundo, perdidas nos próprios pensamentos. A tela evidencia a melancolia, foi pintada em 1942 e está exposta no Instituto de Artes de Chicago. Ela ressalta o sentimento de vazio do mundo contemporâneo e não difere muito do que temos experimentado no dia a dia.
Poderia dizer que a pandemia nos distanciou ainda mais, o que não seria uma incorreção para aqueles que respeitam o distanciamento e evitam aglomerações (mesmo contrariando o clichê “preciso manter minha saúde mental”), mas arrisco dizer que esse isolamento começou antes. A única diferença é que, durante a covid-19, ele se tornou arbitrário.
Quem nunca viu um casal numa mesa de restaurante sem se falar, mas manuseando seus celulares? Quem não esteve em um encontro com família ou amigos e não vivenciou o momento, porque estava ligar à outra tela? Quem não presenciou um pai num parquinho deixando os filhos se divertirem sozinhos enquanto acompanhava alguém pelo telefone? Falo o tempo todo com amigas que moram longe graças à tecnologia, mas às vezes não falo com quem está à minha frente justamente por causa disso. Péssimo, eu sei.
No texto O Narrador, o filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940) alerta sobre o quanto as relações humanas estão fragilizadas devido ao não-compartilhamento de experiências. “É como se nos tivessem tirado um poder que parecia inato, a mais segura de todas as coisas seguras, a capacidade de trocarmos pela palavra experiências vividas. Uma das causas desta situação é óbvia: as experiências perderam muito do seu valor”, escreveu. É justamente esse o paradoxo com o qual precisamos lidar: compartilhamos momentos sem parar (verdadeiros ou inventados) e nem sempre compartilhamos o tempo presente. Mas é exatamente a qualidade das interações que irá nos eternizar na vida de cada um. Ou congelar os momentos especiais. E não vale a pena trocar isso por nada no mundo, né?