“Em caso de despressurização da cabine, máscaras de oxigênio cairão automaticamente sobre suas cabeças. Puxe uma das máscaras, coloque-a sobre o nariz e a boca ajustando o elástico em volta da cabeça e respire normalmente, depois auxilie a pessoa ao seu lado”. Sempre tenho um arrepio quando escuto o aviso pré-decolagem em aviões, mas logo faço de conta que não existe a menor possibilidade de um desastre acontecer, a fim de garantir uma pseudo tranquilidade enquanto estou voando. Tiradas do contexto, no entanto, as frases demonstradas pelas comissárias de bordo são uma premissa importante para a vida – ou deveriam ser.
Para quem ainda não entendeu a força da sentença, faço uso das palavras da minha amiga Dai, no meio de uma conversa recente sobre dramas e dores individuais da pandemia, autoconhecimento e conexão. Contava a ela que tenho me sentido estranha nos últimos tempos, como se tivesse me transformado em uma pessoa diferente daquela que sempre fui: estou reclusa, tristonha e com medo. São os efeitos do confinamento forçado, da vida social restrita, da falta de beijos e abraços nas pessoas queridas, do esgotamento emocional coletivo, da taxa de mortalidade alta e da falta de perspectivas que a situação melhore em curto prazo.
Logo eu, bastante otimista, estou temporariamente (e preocupadamente) desesperançosa. Dai, muito prática, concordou que essa nova versão não combinava comigo e lá pelas tantas, disse: “Tu tens que te colocar em primeiro lugar, gata. Já dizem no avião: primeiro põe a máscara em ti, depois ajuda o coleguinha (risos)”.
Em um momento que a pandemia nos pede uma preocupação maior com os outros, já que nossas ações têm um impacto que transcende às nossas paredes, é preciso evocar com força o amor-próprio. E auto amor não é egoísmo, não podemos confundir as ideias. Ele diz respeito a priorizar as próprias necessidades, o bem-estar, acolher sentimentos negativos para transformá-los, buscar um equilíbrio no meio disso tudo. Não é condicional (não vou me amar mais se for mais bonita, mais bem-sucedida, etc, isso não depende de uma condição específica, porque existem muitas bem melhores do que eu em diferentes aspectos e isso não pode ser parâmetro), não é vaidoso (não preciso ficar valorizando minhas qualidades, porque isso reforça o oposto, a falta de amor-próprio e a necessidade de reconhecimento) e deixa aparente que uma pessoa dessas respeita a forma como a sua vida afeta a dos outros (é preciso se amar para amar os outros). Significa colocar-se em primeiro lugar, como no aviso do avião, para, depois disso, poder pensar nos demais.
Parece lógico que o relacionamento mais estreito que temos na vida é conosco mesmo. Afinal, vivemos 24 horas com uma mesma pessoa, todos os dias, temos que lidar com nossos humores, nossas frustrações e nossas alegrias. Cuidar da gente, portanto, é sempre o melhor a fazer.
Em tese, é uma ideia bastante simples. Mas, fala sério: como é difícil ser simples, né?