Vira e mexe a nostalgia me encontra e lembro do tempo que eu já tinha idade suficiente para andar sozinho na rua. O meu destino era sempre o mesmo: a locadora de vídeo perto de casa. Sendo esse o meu parque de diversões da infância, eu corria até a seção de filmes de terror para alugar os lançamentos antes de qualquer um. E mesmo que tivesse a companhia da minha mãe na hora de assistir, posso elencar diversos títulos que me tiraram o sono e outros que ficaram marcados não só na minha história, mas na de muita gente. Porém, resgatar essa memória é automaticamente traçar um paralelo e se questionar: filme de terror ainda assusta?
Faço essa provocação após um punhado de últimos anos onde a decepção foi um sentimento comum na maioria dos longas assistidos. Não sei dizer ao certo quando foi a última vez que vi um filme de terror que realmente aterrorizou. Ao contrário: lembro de vários que me fizeram dar risada, ou, no mínimo, causaram aquela sensação de revolta por levar ao limite a inteligência dos espectadores com algo tão raso e com uma execução sem muito capricho.
Como sempre, passei a traçar teorias que responderiam meu questionamento. Não quis parecer tão óbvio, mas acabei não tendo muita escolha. Aparentemente, os filmes de terror já não causam mais tanto medo porque a lógica inverteu: agora, é a realidade quem nos apavora.
Longe de mim dizer que duas décadas atrás não existiam notícias chocantes e tantas outras atrocidades. Cresci envolto de casos polêmicos e bizarros (a TV dos anos 90 que o diga), mas o tempo presente parece se superar a cada manchete. De alguma forma, então, talvez tenhamos deixado de sentir medo ao assistir a ficção porque as histórias dos filmes de terror já são batidas. Enquanto isso, a realidade surpreende em ritmo desenfreado. Nos filmes, sabemos a hora de cada susto — até dá tempo de cobrir os olhos. Quase sempre também, os passos do assassino/vilão são previsíveis. Mas e quem acerta o improvável do dia a dia fora das telas? Até arrisco a dizer que a ficção se tornou mais verossímil do que a própria realidade, se é que isso é possível.
De uns tempos pra cá, a indústria cinematográfica tem observado uma crescente em filmes de terror psicológico. O diretor Jordan Peele fez com que Corra! se tornasse um marco recente ao assustar abordando o racismo como tema central de sua história. Já com o elogiado Midsommar, a experiência foi além do que estamos acostumados: o terror diurno estampado em cores vivas provou que não temos mais medo apenas da escuridão — o medo pode se instalar à luz do dia mesmo. Filmes de assombração em formato de espírito, então, viraram desenho animado. O que nos enche de medo mesmo é o humano.
Basta remontar a 1980, em O Iluminado, para saber que não é de hoje que o gênero terror serviu de invólucro para questionamentos existencialistas, políticos, e até mesmo para passeios pela mente humana. A fórmula na telona talvez sempre tenha sido a mesma, diferentemente da vida real. Aqui fora, os vilões estão cada vez mais perigosos e os assassinos são cada vez mais imprevisíveis. Estranho pensar que hoje em dia tememos até mesmo o caminho até o cinema.
Seja como for, Freddy Krueger e Jason já eram. Com todo o respeito, o mal agora tem outra roupagem. Em uma sociedade dominada pela escassez de saúde mental, existe filme mais assustador do que o terror psicológico?