Prefiro não revelar quantos meses passei adiando o dever de arrumar os armários aqui de casa. Semana após semana, prometia a mim mesmo que arrumaria tudo no final de semana seguinte, e entre esquecimentos e desistências, deixei pra depois porque essa definitivamente não é a minha tarefa preferida. No último domingo, então, debaixo de tempestades de raios e uma chuva infinita, o inimaginável aconteceu: botei o armário abaixo, limpei, organizei e passei uns bons minutos admirando a minha própria arrumação.
Com a tarefa concluída, senti um alívio, e ao mesmo tempo não deixei de me questionar o porquê de não ter feito aquilo tudo antes. A resposta óbvia veio em seguida: estamos imersos em uma sociedade caótica de hiperprodutividade. Sendo assim, quem é que tem tempo — e, principalmente, disposição — para tirar tudo do lugar e fazer o crivo daquilo que fica e daquilo que sai? A rotina, aparentemente cada vez mais exaustiva, sugere diversos acúmulos desnecessários, e muitas vezes a nossa casa só parece arrumada se as portas de todos os armários estiverem fechadas. É o bom e velho "esconder debaixo do tapete" — o que não se vê, não se sente, certo?
Dependendo o viés, errado. Qualquer rápida leitura sobre Feng Shui revela que um ambiente harmônico reflete automaticamente na nossa saúde mental. Assim como a prática de exercícios, a faxina e o bota-fora também liberam endorfinas, a tal substância que promove a sensação de bem-estar. E foi exatamente isso que senti, ali parado olhando para as pilhas de roupas arrumadas, tudo separado conforme o uso e de acordo com a estação. O processo em si pode até ser chato, porém o acúmulo do dia a dia que nos obriga a "deixar para depois" faz com que os momentos de arrumação propiciem uma espécie de catarse. Entre gavetas e prateleiras, encontramos diversos itens que nem lembrávamos mais existir. O desprendimento, então, traz de brinde uma leveza inesperada.
Em paralelo, já faz algum tempo que profissionais milagrosos pipocam por todos os cantos tentando vender a fórmula da tranquilidade para a sociedade do cansaço. E é nessa armadilha que muitos caem, sem nem pensar que qualquer pílula, curso ou método não supera o básico que precisa ser feito. Se qualquer desordem causa ansiedade e corrobora até mesmo para os transtornos de sono e concentração, por que é que insistimos em conviver em meio à pequenas bagunças? Quem sabe não seja exatamente esse caos escondido detrás das portas que nos arranque diversas noites de sono e fortaleça a tal Síndrome do Pensamento Acelerado?
Arrumar os armários foi quase o mesmo que chegar em casa depois de qualquer viagem que seja. E de fato, o mundo esconde lugares incríveis, mas nenhum deles se assemelha à nossa casa. A satisfação de reencontrar um lugar nosso, adequado àquilo que procuramos para a nossa vida, é o equivalente a uma diária caríssima em um hotel que poucos podem pagar. E ela custa tão pouco!