Quando eu saí de casa, minha mãe comprou sete caixas de cotonete para mim. Não entendi de imediato, precisei de alguns dias para ligar os pontos, e até mesmo um pequeno embate se formou em que questionei o que faria com tanto cotonete. O mesmo aconteceu com sabonetes algumas semanas depois (e não, nada foi uma indireta sobre a minha higiene). Segundo ela, tudo era item "que não vencia fácil", então ela comprou por e para mim em quantidade. "Mas mãe, eu moro sozinho", rebati. E então o silêncio dela serviu como uma resposta.
A saga de ser filho único envolve o desprendimento que, cedo ou tarde, deve acontecer. É como um flashback, um cortar o cordão umbilical pela segunda vez: há que se deixar ir para o mundo quem consideramos o mundo todo. Ao menos foi isso que ouvi da minha e de outras tantas mães. No meu caso, por mais que a mudança fosse para uma casa no bairro vizinho, pouco mais de um quilômetro ainda assim foi muita distância.
"Eu nunca mais te paguei nada", disse a minha mãe ao me entregar uma sacola com meio quilo de damasco seco. Quis dizer que eu não precisava, quis dizer que ainda tinha damasco em casa desde a última vez que ela também comprou... No fim, não disse. Fiquei quieto porque entendi que esse desprender-se envolve expressar o amor em pequenos gestos como este. Não é sobre o cotonete, os sabonetes ou o damasco. É sobre ainda estar junto, do jeito que der.
Após essa reflexão, o embate perdeu o sentido para mim. Dizer que agora consigo comprar minhas coisas e que não preciso de nada do mercado é dispensável porque valorizo a sorte de ter quem faça pequenas atitudes assim. Em um mundo onde cada vez se comenta mais sobre a falta de carinho entre pais e filhos, qualquer menção de amor deve ser celebrada.
Tem uma frase daquele tal de autor desconhecido que fala sobre voos em liberdade. É mais ou menos assim: "Se você tem um pássaro e o mantém na gaiola, você não tem um pássaro. Mas se você deixa ele solto e todos os dias ele aparece na sua janela porque quer, esse pássaro, sim, é seu". E é isso que todo pai e mãe de um só filho deve fazer. Eu atesto, assino embaixo e garanto — seja aparecendo para um almoço de domingo, seja tomando um café juntos no meio da semana. Você sabe que eu sempre volto, mãe. Mesmo que seja pra buscar mais caixinhas de cotonete.