A brevidade de todas as coisas me assusta. Há anos falamos sobre a obsolescência programada de produtos que são feitos com prazo de validade, incitando uma recompra, e ultimamente temos insistido veementemente na ideia de que ninguém tem paciência pra nada. Entretanto, mais urgente ainda, parece ser a questão de que hoje tudo é raso e tem uma vida útil tão rápida que mal pode ser chamada de vida. Estamos vivendo em tempos de império absoluto do efêmero.
Não faz muito que o conceito de “cancelamento” encontrou o dicionário popular. Fulano comete um erro, beltrano expõe (quase sempre na internet), e uma multidão de cicranos massacram fulano até que haja uma nova pessoa para ser perseguida. Porém, este é um ciclo breve, assim como grande parte do que se experiencia atualmente. Ninguém lembra de quem foi cancelado semana passada porque todo mundo está preocupado em cancelar o assunto do momento. Da mesma forma, ninguém lembra da subcelebridade que entrou para o hall da fama semana retrasada por algo tão trivial que somente o brasileiro é capaz de dar protagonismo. De tempos em tempos, alimentamos fofocas a ponto de inventar pessoas que não fizeram muito para estar onde estão — algo que tenho chamado de Celeiro dos Alucinados.
A história da passageira que se recusou a oferecer o assento na janela para uma criança e que foi gravada e exposta na internet é um bom exemplo. Prestes a atingir 3 milhões de seguidores nas redes — a metade do que tem Fernanda Montenegro, por exemplo —, a anônima que virou famosa de supetão colhe os frutos de uma sociedade que inventa heróis para viverem o que não se tem coragem de viver. “Minha meta é ter a calma dessa mulher”, foi um dos comentários mais curtidos no vídeo que viralizou recentemente. Ou seja, ninguém quer procurar as próprias formas de trabalhar a calma. É mais fácil encontrá-la nos outros porque a idealização é um atalho formidável.
A comparação de seguidores de uma subcelebridade cuja fama é passageira com uma atriz com 80 anos de carreira como Fernanda Montenegro não é em vão. Até porque, a diferença é justamente essa: 80 anos de construção de história que serão lembrados por muito tempo. Para Fernanda, prazo de validade não existe — mesmo após a morte, ficará o legado. E o que vemos, então, é um amontoado de pessoas que ganham visibilidade por dancinhas replicadas em massa, rotinas compartilhadas sem o mínimo de fundamento, vivências sendo vendidas como “criação de conteúdo” sendo que o conteúdo é inexistente. Vivemos um eco que perturba justamente porque reverbera o vazio da maior parte de tudo aquilo que consumimos.
Em tempos de carros voadores (ao menos, foi o que imaginamos lá atrás para os dias de hoje), idolatramos atitudes que deveriam ser normais e criamos ídolos que não existem para esquecermos deles logo depois. Abraçamos o instantâneo porque, afinal, quem tem paciência (ou enxerga vantagens e lucro) em criar um legado que é construído lentamente, mas que é sempre contínuo? Estamos tão imersos no modo avião, desconectados das coisas relevantes e mirando holofotes em referências que passam longe de uma solidez, que a cultura do instantâneo parece ser um acalento, quando na verdade é uma armadilha. Basta ver: viralizar por conseguir dizer “não” é simbólico e sintomático, um resumo impecável das faltas que existem dentro da gente.