A Feira do Livro de Caxias do Sul se encerra neste domingo (15), e aqui retomo o assunto também pela importância contínua desse objeto em minha vida. O livro me atravessa desde sempre. Talvez seja efeito da conjunção de Mercúrio, o astro do aprendizado, com Vênus, planeta do prazer, em meu mapa astrológico, resultando no gosto pelo conhecimento que sempre me caracterizou. O certo é que desde criança vejo nos livros um alimento saboroso e necessário. Não vivo sem eles. Outras formas de apreensão do saber surgiram, vide as fascinantes traquitanas modernas com suas linguagens mais visuais, e a elas aderi com curiosidade, mas jamais desbancaram, em minha rotina, o lugar do livro.
Se sou consciente desse lugar de honra, também o sou das lutas para mantê-lo. Redes sociais e outras conexões necessárias, de urgentes respostas às demandas contemporâneas, armam mil ardis para roubar nossa entrega ao livro. Até porque tal entrega se faz mais exigente do que o assédio dos estímulos eletrônicos, mais elétricos e ansiosos. Livro requer paciência, atenção plena, silêncio e isolamento. Livro impõe uma participação ativa ao que se lê: há o conteúdo proposto no texto e há a construção mental individual do leitor. Ou seja, livro dá mais trabalho para ser usufruído. Seu benefício, contudo, é de qualidade incomparável em relação a outros meios.
Nada de imagens prontas, já editadas no ritmo vertiginoso de nosso tempo, nada de resumo do resumo, mas sim a experiência de aprofundar e de cocriar, que nos torna mais conhecedores do tema em questão. Por esse diferencial de intensidade, o livro mantém seu natural vigor em meio aos suportes eletrônicos. E segue sendo publicado como se não houvesse a concorrência dos dispositivos e aplicativos da telinha dos telefones.
Todo evento em torno do livro reafirma a trajetória do conhecimento humano, numa linha de tempo que começa nas paredes das cavernas, segue na escrita em pedras e argilas, avança em papiros e pergaminhos e alcança o infinito a partir da prensa de Gutenberg. Cada livro carrega implicitamente essa saga histórica que se iniciou em civilizações antigas, como a Suméria e o Egito, passou pela contribuição chinesa da arte do papel, na Idade Média, e desaguou na Europa no alvorecer da Idade Moderna. Uau!
Assim, o resultado de uma feira de livros jamais pode ser medido somente em número de vendas, embora este seja o mais divulgado marcador do sucesso ou não do evento. Uma feira de livros não apenas aproxima autores e leitores, permite a aquisição a custo menor dos exemplares e socializa a população pela arte e pela produção cultural: também celebra a inteligência humana. Mais: pela oferta de uma infinidade de títulos, a propor múltiplos mundos possíveis e a orientar sobre as graças e armadilhas da vida, e por congregar pacificamente a diversidade de visões da comunidade, uma feira de livros também é um elogio à empatia e ao diálogo – à democracia, enfim.
Falando em democracia, vale observar que a saúde desse sistema de governo também vem do apreço aos livros. Ditadores e regimes totalitários odeiam livros, que o digam as fogueiras do nazismo e censuras muito recentes aqui bem perto. Sim, o livro é uma criação humana que nos dota de asas para voar. Defender seu tempo e ritmo próprios de usufruto é uma luta atual, minha e de todos que valorizam o conhecimento, a liberdade, a justa convivência social e a paz. Pois a vida é melhor com livros, como prova a história.