Pensava num assunto para esta crônica, quando o celular apitou: havia uma postagem no Instagram em que eu era mencionado pelo colega jornalista Ronaldo Bueno. Ele mostrava, na Feira do Livro de Caxias do Sul, a capa de um exemplar de A Serra e o Mar, com crônicas minhas e do André Costantin, lançado pela Educs em 2001. Que surpresa! Faz tanto tempo, que até esqueço desse primeiro livro. De súbito, um turbilhão de imagens invadiu-me, feito um filme, com cenas sobre o texto e o contexto do livro. Agradeci ao Ronaldo por ter me dado o tema da crônica.
Ver a praça central da cidade tomada por livros e por gente ao redor deles alegra olhos e almas. O simbolismo de livros no coração da cidade é poderoso, traz alento contra a dureza das engrenagens que modelam os dias comuns. Aliás, o que não tem faltado, não apenas em Caxias, é motivo para endurecer, ante a realidade do puro cinismo capitalista. Mas como ignorar que tradicionais livrarias na cidade fecharam, ao passo que farmácias pipocaram aos borbotões? Quem lê, e se permite transitar em outros universos, quem sonha com outro mundo possível, não pode aceitar isso. Ler é insurgir-se contra o adoecimento e a pasteurização acrítica do humano.
Ah, lembro bem daquele fim de tarde na Feira do Livro de 2001 em que o André e eu assinamos os exemplares de A Serra e o Mar para os amigos em fila. O livro chegou da gráfica na hora exata do lançamento! Nem tive tempo ali de folheá-lo e já saí escrevendo dedicatórias enormes, todo cheio de mim. Eu e o André dividíamos a mesma página no Pioneiro, aos sábados, e foi se tornando comum o pedido de leitores por um livro conjunto, embora tivéssemos estilos diferentes. Hoje acho aquelas minhas crônicas ingênuas, leves demais, impregnadas de uma certa alegria juvenil. Ai, ai, em que esquina aquela alegria se esfumaçou?
Hum, o ano do livro, 2001, foi também o ano do ataque às Torres Gêmeas. O mundo ficou pior, o terror tornou-se a grande pauta. O intenso Plutão passava por Sagitário, signo das crenças, acirrando fundamentalismos e fronteiras. A internet se afirmou de vez, logo vieram as redes sociais, e isso impactou também o jornalismo impresso e todas as demais mídias. Vieram blogs de toda sorte, e todo mundo pôde dar seus próprios pitacos sobre tudo, sem mais precisar de mediações do jornalismo. E este foi trocando o espaço das reportagens e das crônicas do cotidiano por análises de um contexto cada vez mais complicado. E os cronistas sobreviventes se tornaram cada vez mais articulistas.
O jornalismo ainda se reinventa, no modo virtual. Não pode nos faltar, assim como os livros. Também não pode nos faltar a literatura. Diferente da História, que descreve o que realmente se passou, a literatura aponta como as coisas podem ser ou poderiam ter sido. E a gente precisa desses mapas imaginados. Daí que nessa crônica — que, por definição, é meio jornalismo, meio literatura — imagino uma cidade com mais livrarias e sem necessidade de tanta farmácia, uma cidade mais atenta à delicadeza, em que o voo das andorinhas também seja notado.
E nesse espírito de valorizar as desimportâncias, lembro que, por coincidência, eu e André Costantin fomos com camisas idênticas no lançamento de A Serra e o Mar. Um par de vasos! E o segundo lançamento foi o primeiro evento realizado no recém-inaugurado Centro Municipal de Cultura Dr. Henrique Ordovás Filho, ainda sem o Zarabatana. Dessa vez o André me ligou antes, para saber com que camisa eu iria...