Convém falar de amor. E de arte. O Sol passa por Libra, signo dos relacionamentos e da estética, regido por Vênus, astro associado à antiga deusa do amor e da beleza. Amor e arte andaram em baixa nos últimos anos, seja pelo impacto da pandemia ou por crenças obscuras que negam a potência de vida que os gregos chamavam de Eros. Tudo passa, ainda bem, e outro ventos sopraram. O amor e a arte estão de novo no ar! Como esses temas dão pano para infindáveis mangas, escolho falar do amor na arte, mais exatamente de canções de amor e, ainda mais exatamente, de canções do sempre apaixonado poeta libriano que elevou à perfeição as letras de nosso cancioneiro popular. Vamos de letras de Vinicius de Morais, amigos.
Hum, mas será que não devo antes problematizar o tipo de amor que Vinicius propagou em suas composições? Hoje se problematiza tudo, antes até de qualquer olhar sobre o contexto da coisa. Vai que me acusam de estar difundindo valores tóxicos... O amor cantado pelo conhecido Poetinha era o romântico, daquele tipo de amor idealizado, que se deseja imortal, ainda que efêmero, por isso infinito em sua brevidade de chama. Amor para toda a vida, “maior que tudo quanto existe”. Reparem: “Minha bem-amada / Quero fazer de um juramento uma canção / Eu prometo / Por toda a minha vida / Ser somente teu / E amar-te como nunca / Ninguém jamais amou ninguém”.
Os céticos dessa atual era de amores líquidos, em que tudo vira artigo de consumo, descartável, portanto, podem argumentar: ah, grande amante para a vida toda foi o Vinicius, que somente no papel se casou nove vezes... Já os usuários da palavra da moda – e essa palavra é... tóxico! – dirão de chofre: ele era tóxico, porque reduzia as mulheres a fetiches do masculino desejo. Outros apontarão: ok, canções belíssimas, poesia de primeira, mas olha só que machista dizer “que é pra acabar com esse negócio de você viver sem mim”, sem nem perguntar se a outra pessoa quer isso.
Ai, ai, cronista, que péssima ideia essa de querer falar de amor em tempos cínicos! E ainda exaltar um representante de um romantismo anacrônico! Sim, Vinicius pertenceu a outro tempo, e a outra forma de amar, por óbvio. O amigo Chico Buarque declara, no documentário dedicado ao Poetinha, que este, com sua visão até ingênua de tão amorosa, não caberia no mundo atual. Vinicius foi cria máxima de dias de amor, sorriso e flor, de bossas e sambas sem hora para acabar, de desejos de beijinhos e carinhos sem ter fim.
Está no YouTube uma entrevista em que a baiana Gessy Gesse, uma das ex-mulheres de Vinicius, confirma a visão de Chico. O poeta que cantava o amor o tempo todo e que se preocupava com as injustiças sociais não viveria nada bem no hoje. Onde depositar tanto amor? Gessy recorda da sedução de Vinicius: tão logo a conheceu, o poeta mandou entregar flores de meia em meia hora, até a casa dela virar um inusitado jardim. Foi romance demais para a desconfiada Gessy fazer jogo duro. E viveram juntos por sete anos, tempo de duração do infinito amor.
Puxa, o regulado espaço está acabando, preciso defender o amor urgentemente, a despeito dos líquidos, dos cínicos e dos ressentidos. Porque, digam o que disserem, Vinicius é imortal por causa do quanto amou e de como cantou o amor e o fez mote de vida. “Abre os teus braços / E canta a última esperança / A esperança divina de amar em paz”, cantemos nós. E encerro com a provocação que li numa pichação: “Só você que não é tóxico, não é, bebé?”.