Adentrei a estreita trilha que descia ao leito de um riacho na mata. O som da água ia aumentando, em meio ao trinar de pássaros e o zumbido de insetos. Alertaram-me: cuidado, que aí tem cobras. Caminhei, então, de olho vivo na trilha, mas sem deixar de atentar para o emaranhado das árvores características da Mata Atlântica. Que beleza! Uma diversidade incrível. Só identifiquei pelo nome uma embaúba, que, esguia, disputava a luz por cima das copas das outras tantas espécies. Cheguei, enfim, na baixada em que uma vertente espalhava a água murmurejante. E senti-me agradecido por reconhecer a maravilha daquele ecossistema.
Pensei no signo de Virgem, que nos oferece a ordem da natureza como parâmetro para a vida. E pensei também no meu país, virginiano de 7 de setembro, que gosta de dizer que o verde destacado de sua bandeira representa suas matas. A Mata Atlântica foi a imagem inaugural das novas terras aos olhos dos navegadores europeus que por aqui aportaram em 1500. Foi daquela vastíssima floresta que surgiu o primeiro motivo de extração econômica na então declarada colônia de Portugal: o pau-brasil. Veja só, foi uma árvore que fundou a relação material entre metrópole e colônia! Mas a tinta cor de sangue que dela se extraía parecia já anunciar o tom do processo que se instalava.
O pedacinho de Mata Atlântica que visitei está a poucos metros de uma movimentada via asfaltada. Hoje é assim: do esplendor verde que cobria toda a costa brasileira, e que extasiou e apavorou em igual medida os primeiros visitantes, só sobraram restos. Diz o site do Ministério do Meio Ambiente que “devido à ocupação e atividades humanas na região, hoje resta cerca de 29% de sua cobertura original”. Outras fontes, no entanto, são menos generosas e falam em somente 12,5% do que era floresta a resistir. Nada a estranhar, haja visto que mais de 70% da população brasileira vive onde outrora vicejava a Mata Atlântica. A mesma região responde por cerca de 70% do PIB do Brasil. Ordem e progresso? Hum, alguma coisa está fora de ordem...
Esse quadro, comum no modelo econômico mundial, dói ainda mais quando esmiuçamos a situação da Mata Atlântica para além dos percentuais remanescentes de ocupação. Trata-se da floresta com maior biodiversidade do mundo, superior até a amazônica. São centenas de espécies vegetais e animais existentes somente nesse bioma e, portanto, ameaçadas de extinção. São cursos d’água esgotados ou poluídos pela ação humana. São ecossistemas inteiros degradados. É um dos biomas brasileiros que se vai, ao sabor da incapacidade humana de seguir um modelo de progresso que respeite a ordem natural. Por essas e outras, sempre vejo com ironia o lema inscrito na bandeira do Brasil.
A diversidade excepcional da Mata Atlântica, a abrigar também uma fauna igualmente variada, compõe uma linda imagem natural da equivalente diversidade étnica e cultural do povo brasileiro. No entanto, rompemos com demasiada arrogância o cordão com a Mãe Natureza. E passamos a seguir o chamado egocêntrico do ambicioso progresso com sua sanha consumista e voraz. Somente os povos origionários, por sua estreita relação de sobrevivência com a floresta, mantêm a custo o pertencimento a essa ordem superior e natural. E haja luta para que a terra em que sempre viveram lhes seja assegurada.
O estrago é enorme. Mas ainda podemos frear esse processo destrutivo. E toda boa ação importa, todo esforço conta, todo detalhe soma. Só não pode mais é progresso sem ordem.