Vem aí o Dia do Folclore. Em 22 de agosto, certamente veremos crianças entrando ou saindo das escolas com fantasias alusivas a personagens do imaginário nacional, como o Saci, a Cuca, o Negrinho do Pastoreio, o Boitatá e muitos outros. Para além de todo o aspecto lúdico das atividades, que também envolvem cantigas e brincadeiras de domínio público, a data oportuniza uma valorização da cultura popular, o rico caldo que se extrai livremente das tradições e trocas sociais. Sim, o folclore é a seiva mais natural de um povo, formado à revelia do conhecimento oficial ou acadêmico.
Adoro folclore desde sempre, pois fui nutrido pelas histórias contadas como reais por pais e avós, num tempo em que a televisão ainda não tinha entrado lá em casa. Se minha própria avó relatava sua fuga de um bicho enorme que a perseguiu numa noite de Lua por entre as veredas da mata, quem seria eu para duvidar da existência de lobisomens? E logo eu, que não apenas cria em tudo que me contavam como também tinha os dois pés plantados na imaginação, fazendo jus ao meu ascendente em Peixes. Meu pai, com sua memória extraordinária, foi um grande contador de histórias, principalmente aquelas cheias de magia, e eu as ouvia com o referendo da boca do chefe da família, que não gostava de mentiras. Deu no que hoje sou.
Muito mais tarde é que fui conhecer a importância de lendas e mitos, dos relatos orais e das tradições populares, no estudo mais amplo das culturas. Caí de amores pela antropologia cultural, a penetrar nos imaginários para conhecer a vida real. Certa feita, já quis cursar um doutorado em antropologia somente para lidar com o universo dos mitos. Vieram outras prioridades, e deixei de lado a ideia, que fica para a próxima encarnação – ou para essa mesma, se o destino assim quiser. O fato é que fico triste quando vejo uma festa tradicional se desvirtuar de sua essência, feito o São João dominado pela música sertaneja. Ok, sei bem dos movimentos das culturas e da força da grana, já nem implico com a estridência do Halloween a silenciar o Sanguanel. Mas fico muito triste.
Quando estudamos as ideias de Carl Jung, principalmente o conceito de inconsciente coletivo, fica mais fácil reconhecer a importância de certas manifestações sociais. Também fica fácil identificar a semelhança entre mitos e lendas surgidos em lugares diferentes, como o Saci e o Sanguanel, por exemplo. Embora distintos na origem – um brasileiro, negrinho de uma perna só, outro vermelhíssimo e trazido pelos imigrantes italianos –, ambos personificam traços de uma espécie de duende traquina e moleque dado a causar contratempos entre os humanos. Ora, esse tipo é universal, daí seu caráter arquetípico, como diria Jung. Saci e Sanguanel são parentes próximos do Lóki nórdico, do Exu africano, do Hermes grego e do Coyote dos índigenas norte-americanos.
É por esse parentesco no nível mítico que eu costumo ilustrar os períodos em que o planeta Mercúrio está retrógrado como de “Saci à solta”. São tempos em que parece haver um duende sacana querendo nos azucrinar com pequenas confusões. E mais um desses períodos se inicia logo depois do Dia do Floclore (e vai até 15/09). Mas não há motivo para pânico, tudo se resolve com mais cuidado e paciência. Já que não dá para prender o Saci num garrafão, resta cair na real e prestar mais atenção aos detalhes das coisas.
E a propósito: tem gente defendendo tornar o Dia do Halloween em Dia do Saci. Mas estou fora desse redemoinho. Vai que as bruxas me peguem...