Todo dia tem noite, todo dia tem luz e escuridão. Se nossa percepção nos revela, somos também feitos de claros e escuros. Por mais que optemos pela benfazeja civilização, a barbárie sempre está à espreita – e pudemos conferir isso em várias instâncias nos últimos anos. É longa e antiga a discussão sobre a bondade do homem e as origens do mal, mas desde Freud aceitamos que anjos e demônios coexistem dentro dos humanos, tornando a História uma dança entre ordem e caos, entre grandeza e destruição. Quer ver? Vou pinçar no Google efemérides relativas aos dias 12 e 13 de agosto.
Em 12 de agosto de 1883, morria num zoológico de Amsterdã o último quaga, uma subespécie de zebra que tinha listras somente na parte da frente do corpo, com o resto da pelagem lisa e marrom. O nome do animal seria uma onomatopeia que imitava o som que ele emitia. Os quagas viviam em bandos no sul da África, mas foram extintos por colonos interessados na carne e no couro. O bicho homem tem sido responsável pela destruição sistemática das outras espécies. E ainda diz que ama a vida!
Em 12 de agosto de 1907, nascia Miguel Torga, um grande poeta e escritor português. Aos 13 anos, Torga, cujo nome real era Adolfo Correia da Rocha, partiu para o Brasil, onde trabalhou nas plantações de café de um tio em Minas Gerais. Sua inteligência destacada abriu caminho para o retorno a Portugal, onde foi estudar em Coimbra, envolvendo-se com o modernismo na literatura. A liberdade e a justiça social marcaram toda sua produção. Já faz muitos anos, comprei em Lisboa o livro Novos Contos da Montanha, como uma entrada na obra de Torga. Quando achei que era hora de ler o livro, surpresa! As traças tinham comido uma boa parte do miolo. Desgraçadas. Meu lado predador quis exterminar todas as traças do mundo. E ainda não li nenhum livro do Torga.
Em 13 de agosto de 1521, o conquistador espanhol Hernán Cortés destruía, no atual México, a cidade asteca de Tenochtitlán. Sob o poder invasor de homens brancos e católicos, caía um império nativo, num processo de ocupação que se estenderia por toda a recém-descoberta América. O chamado Novo Mundo mudava de dono, ante armas criadas com fins de dizimação e dominação. Os povos originários foram subjugados. E assim seguem sendo, numa lógica de exploração que desumaniza as culturas diferentes. No caso dos astecas, sequer reconhecemos que estudos apontam para este povo a origem do cultivo do milho, que seria levado para o mundo todo. Ah, esses humanos...
No dia 13 de agosto de 1961, inicia-se a construção do Muro de Berlim. Foi uma dos mais absurdas demonstrações da tendência humana de dividir e segregar por motivações ideológicas. Imagine uma cidade cindida ao meio por um muro a simbolizar a própria configuração do mundo repartida em dois blocos inimigos. Famílias ficaram em lados opostos, incomunicáveis. O Muro caiu em 1989, mas parece que gostamos dessas estúpidas fraturas, vide as fanáticas visões que ainda separam amigos e parentes aqui mesmo no Brasil.
E a 13 de agosto de 1899, nascia em Londres Alfred Hitchocok, o cineasta que se tornou o pai do suspense. Artista genial, ele preferiu levar para as telas, na catarse da sala escura, os escuros do homem. Crimes e medos, ansiedades e terrores foram ressignificados pelas luzes do cinema. Hitchcock é prova do dom de criar em prol do homem, mesmo em cima do extrato mais sombrio deste. Sim, todo dia tem luz e escuridão, mas também é humana a capacidade de escolher de que lado quer ficar.