Já fazia tempo que a gente andava triste — por tanta frustração, por um futuro que se anunciava sombrio —, quando veio a pandemia. Aí tivemos que lidar às pressas com o medo, a insegurança, o desespero e, pior que tudo, encarar ela, a morte, sempre chegando perto. Tivemos que acionar nosso instintivo programa de resistência e apenas sobreviver. Hábitos foram alterados, outros se instalaram. Pareceu uma eternidade, mas os ventos mudaram, ainda bem, e já caminhamos por aí sem máscara e sem medo, com alguma esperança na mente. No entanto, parece que a velha tristeza persiste em nós. Cadê aquela alegria que, de tão genuína, dizíamos ser brasileira?
É fato: ficamos mais contidos em relação à vida após a pandemia. Claro, não dá para sacudir a poeira e retomar o que era antes. Não falo desse aspecto de cuidado e aprendizado com a dura experiência. A contenção aqui diz respeito a uma desvalorização da leveza e do prazer de viver. Também sei que não dá para esquecer de 700 mil mortos nem de tanta barra pesada enfrentada. Foi um luto enorme, precisamos de tempo para superar o choque, sem a culpa por forçar prazeres individuais. Meu receio é de que a gente, nesse processo de reconstrução, desaprenda de vez a capacidade de gerar alegria, a si e aos outros.
Lidar com um acontecimento de alcance global, como a pandemia, trouxe um doloroso corretivo em nossa individualidade, que andava assoberbada pela era da vaidosa ostentação. O divinizado mercado continuamente nos oferece o modelo ideal de ser – e basta ter para obter. E assim fomos nos enredando em modas, bens, objetos, tudo prometendo o néctar da vida. Até que, por conta do isolamento forçado, passamos bem sem tanta coisa antes fundamental. E veio a lição simples e impactante: o bom da vida não está nas coisas. Está em nossa capacidade de sentir alegria, com o que temos e, essencialmente, com o que somos.
O contentamento pode vir de fora, feito uma agradável surpresa, mas mesmo o usufruto desta vai depender de uma atitude interior. E aqui entra em cena o coração, essa central de alegria em nós. A gente sabe quando algo toca o coração ou quando algo vem dele. Não há nada mais sincero em nós. O sangue pulsa em pura saúde, os olhos brilham, o sorriso serena a face, há um estado geral de positivo vigor. E como canta o Gil, quando a gente está contente, nem pensar que está contente a gente quer, a gente quer é viver.
Sol no peito: eis uma boa imagem da alegria plena em nós. É uma imagem leonina. Leão é regido pelo Sol e rege no corpo o coração. Na simbologia de o astro-rei visitar agora seu próprio signo, vale refletir sobre o que se passa em nosso coração. O assunto é clichê, até mesmo brega. Mas esses rótulos vieram da mente, que julga, compara, classifica. E a gente precisa saber a hora de aquietar a cabeça — aliás, boa parte dos tormentos vividos nos últimos anos veio de divergências mentais. Só o coração voltará a nos unir, na alegria. Numa de suas mais famosas canções, Y Dale Alegría a Mi Corazón, o argentino Fito Paez já avisou que a alegria no coração faz a tristeza e a dor irem embora e assim veremos o desaparecer das sombras.
É, assuntos do coração são sempre óbvios. O problema é que a gente vive esquecendo o simples. Cabe a nós redescobrir urgentemente o que nos alegra, no corpo, na alma, nas relações. E lembro de uma máxima: poucas ações trazem tanta alegria e prazer quanto fazer outras pessoas felizes. Sim, dar alegria traz alegria.