Uma janela aberta para o horizonte!
A artista plástica caxiense Natalia Bianchi, filha de Pedro Bianchi (in memoriam) e Brenda Bianchi, casada com Gustavo Tonet e mãe de Aurora Bianchi Tonet, tem dividido os dias entre a criação artística, a família e a direção da Casa da Cultura Percy Vargas de Abreu e Lima e do Centro Municipal de Cultura Dr. Henrique Ordovás Filho. Libriana e sensível à flor da pele, nossa entrevistada conta sobre seu fazer criativo, memórias afetivas e a importância de ter esperança.
Que conexão lúdica faz com a infância? As tardes no atelier de costura da minha avó materna, Nayr Giacomin. Inspirada nos desenhos dos estilistas que ficavam na parede, desenhava minhas bonecas multicoloridas e de cabeças grandes. Uma memória afetiva muito significativa que faz com que me reconecte com aquela menina que achava que via as cores como todo mundo e podia colorir todas as coisas.
Ao lado de quem gostaria de ter sentado na época da escola? Ao lado da Amélie Poulain, se a vida fosse uma ficção, mas como vivemos de realidade, que seja como a do poeta Manoel de Barros. Cada um a seu modo me fazem criar conexões cada vez mais fortes com a simplicidade, com a leveza e com o meu lado criança.
Qual a passagem mais importante da tua biografia? Sem dúvida o nascimento da minha doce Aurora, depois disso, passei quase dois anos me reorganizando internamente porque a maternidade é uma experiência visceral e inexplicável, que te desconfigura, te vira do avesso. No meio desse caos o que te mantêm firme é o amor que aumenta numa velocidade absurda, difícil até de assimilar, apenas sentir. Esse processo de me tornar mãe foi muito intenso, e hoje Aurora está com dois anos e três meses e percebo a importância deste tempo de alinhavos, porque agora me dou conta que há uma outra Natalia que se costura em mim, uma mulher que acolhe e respeita as tantas que existem dentro dela, a mãe, a artista, a esposa.
Como interpreta a função da arte na sua vida e dos seguidores de sua linha conceitual? (R)existência. Uma forma de existir e de resistir frente às durezas do mundo. Acho impossível imaginar a vida sem a arte.
De que forma se deu seu primeiro contato com a arte? Minha mãe conta que eu desenhava pelas paredes da casa e o jeito era forrar com papel para que seguisse rabiscando. Meu primeiro contato com a arte de forma mais consciente mesmo se deu nas aulas com a professora Laura, no Colégio São José, esperava ansiosa por aqueles momentos porque ela me deixava ver de perto os livros com as fotos das obras dos artistas que íamos estudar, eu ficava encantada.
Quem são as suas influências em relação as artes visuais? Os surrealistas e os abstracionistas e mais recentemente os artistas do lowbrow (surrealismo pop) e os artistas de rua tem me despertado certo fascínio. Os que pensam o desenho, e também os que abordam questões autobiográficas na sua produção estão sempre presentes nas minhas pesquisas.
Quais desafios enfrentou ao se aventurar pelo mundo artístico com o sentido da visão reduzido? Tenho acromatopsia, uma doença genética muito rara, enxergo em tons de preto, branco e cinzas, e em função disso tenho baixa acuidade visual e muita sensibilidade a luz. Talvez minha resposta cause estranhamento, mas nunca me detive no fato de não enxergar como todo mundo. Desde muito pequena desenhava e era tão detalhado, tão colorido e eu sequer imaginava que não via as cores e que enxergava muito menos que as outras pessoas. Neste sentido não houve um desafio, porque a arte foi a forma mais natural e poética que encontrei de ser e de estar no mundo, porque a arte nunca vai te limitar, pelo contrário, ela te torna sempre mais livre.
O que considera essencial para quem pretende estudar e se especializar em arte? Estudar e ter disciplina, experimentar muito, ter uma mente aberta, e um olhar crítico sem perder a sensibilidade.
Quais seus projetos para o futuro? Está trabalhando em algo? Estou trabalhando no projeto “Pelas Janelas Delas” que consiste na realização de uma exposição virtual com audiodescrição poética em que reúno uma série de desenhos em grafite inspirados no meu caderno de infância. Com influências do surrealismo pop busco trazer à tona um universo onírico, no qual bonecas de olhos grandes e expressivos revelam delicadeza, melancolia e estranhamento imbricados a questões subjetivas do cotidiano da mulher e pessoa com deficiência. Pautada na diferença entre o ato de ver e o ato de olhar proponho ao espectador que aceite e encare o olhar do outro sobre si mesmo e sobre o mundo de forma poética e sensível. Em paralelo serão feitos encontros de formação junto a instituições que atendem pessoas com deficiência visual. Mais desse trabalho pode ser acompanhado no perfil @pelasjanelasdelas, cabe ressaltar que este é um projeto executado através do Edital Criação e Formação Diversidade das Culturas com recursos da Lei Aldir Blanc nº14.017/20 e promove a inclusão e a representatividade, neste caso, das pessoas com deficiência nas artes visuais. Depois deste projeto penso em retomar uma série de desenhos de Criaturas, um tipo de bestiário particular.
Que lições sobre trabalho em equipe pode compartilhar de seus cargos de liderança cultural em Caxias do Sul? A maior lição que carrego é a importância de trabalhar com uma equipe com pertencimento pelo trabalho na área e compromisso com a comunidade. Posso dizer que tenho o privilégio de atuar ao lado de pessoas que admiro, e que possuem essas características. Somos uma equipe comprometida e ciente das nossas responsabilidades enquanto agentes públicos.
Qual imagem lhe representa? Uma grande janela aberta para o horizonte. Como andei escrevendo sobre um desenho esses dias, é porque eu abro esta janela do lado de dentro que posso olhar para outros horizontes!
Uma obra de arte que gostaria de ganhar ou comprar: um grafite do Basquiat e uma obra do Miró, para equilibrar minha dualidade!
A melhor invenção da humanidade? Parece antiquado, mas para mim é a fotografia, preferencialmente a impressa, para poder acessar as memórias afetivas por meio das imagens, reforçando o quanto fomos e somos felizes, para guardar histórias e dedicatórias até de quem já partiu.
Gostaria de ter sabido antes... que não é sobre o quanto eu enxergo, mas sobre o que consigo fazer com o pouco que enxergo.
Com que mensagem encara o mundo? Neste momento com a certeza de que vivemos dias difíceis, de crises éticas, de polarização, de intolerância e de desigualdade. Isso tudo me fere muito, mas nunca deixo de ter esperança de que dias melhores virão, de me movimentar na direção das coisas que acredito, de trabalhar pelo bem comum, para que possamos ter mais empatia, tolerância, responsabilidade e solidariedade. Podem dizer que sou idealista e sonhadora, mas aprendi a não desistir facilmente, mais do que isso, aprendi a insistir com leveza e suavidade. Ter esperança é uma forma de me manter viva!
Qual a primeira coisa que fará quando a pandemia passar? Abraçar muito, sem me conter!