O hoje como uma dádiva
Esta quinta-feira é dia de apresentar a conversa com a renomada médica psiquiatra farroupilhense Karen Letti, filha de João Antonio Marcantonio Letti (in memoriam) e Maria Terezinha Fontana Letti. A esposa do empresário Jair André Basotti, é graduada em Medicina pela UCS com residência médica no Hospital Psiquiátrico São Pedro e estudos concomitantes no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Ainda no período acadêmico, integrou um projeto entre a UFRGS e o Center for Drug & Alcohol Studies, na Universidade de Delaware. Karen realizou também curso de especialização em Técnicas Psicoterápicas Especiais, pelo Hospital de Clínicas. Atualmente é Coordenadora da Saúde Mental e do Centro de Atendimento Ambulatorial em Saúde Mental, em Farroupilha, além de prestar serviços na unidade de Psiquiatria do Hospital Beneficente São Carlos e atendimentos na Clínica Integrada Letti, na mesma cidade.
Qual sua lembrança mais remota da infância e que relação faz com a vida adulta? O gosto pelo cuidar, oriundo dos afetos que eu e meus irmãos, Junior (in memoriam), Fabio e Estevan, recebíamos dos nossos pais. Nossa convivência era mais intensa e divertida durante as férias de verão. Lembro também da nossa collie, companheira nas brincadeiras do dia a dia. Tenho a lembrança da nossa mascote sempre disposta a nos acompanhar junto a nossa turma de amigos. Quando o Estevan nasceu foi uma grande alegria. Doze anos mais moço que a terceira gestação da minha mãe. Eu e Junior fomos os padrinhos de batismo e Fabio, de crisma. Foi de bom gosto que meus pais escolheram que os padrinhos seriam os próprios irmãos, pois assim estaríamos sempre presentes. Junior ao casar teve como filha a Larissa Letti, presente que a vida me trouxe, pois tive a oportunidade de participar ativamente com o meu marido Jair André Basotti, nos cuidados e trajetória da vida dela. Atualmente Larissa mora e estuda em Porto Alegre.
O que é o bom da vida? É ter maturidade para conseguir administrar as adversidades com estabilidade emocional.
Qual a passagem mais importante da tua biografia e que título teria se fosse publicada? Foi a minha graduação em Medicina, que além da realização pessoal, meu pai obteve autorização para me entregar o diploma de médica, reconhecendo assim, o grau acadêmico. O título seria “Estimarás essa arte como o teu pai a estimou”.
Se pudesse voltar à vida na pele de outra pessoa, quem seria? Atualmente, na do meu psicanalista, pois trabalhamos o meu inconsciente.
Gostaria de ter sabido antes... como diz o ditado “O ontem é história, o amanhã é um mistério, mas o hoje é uma dádiva e é por isso que se chama presente”.
Se tivesse vindo ao mundo com uma legenda ou bula, o que conteria nela? Cuidado, frágil! Está chegando um ser humano.
O fato de seu pai ter sido médico e sua mãe psicóloga, teve influência na sua escolha profissional? Se pensarmos que sou parte genética de cada um, então a resposta é sim. Sou médica psiquiatra, meu pai cursou Medicina que simboliza aliviar a dor com arte, minha mãe cursou a faculdade de Psicologia, no latim ânimus, que significa a alma dos pensamentos.
Como foi no início da sua carreira e por que decidiu pela Psiquiatria? Escolhi a especialidade porque gosto do ineditismo e também da possibilidade que nos proporciona em ajudar as pessoas que têm suas vidas destruídas por quadros psiquiátricos a voltarem a viver.
Um aspecto recorrente que tem sido observado no seu consultório: quando as pessoas chegam ao psiquiatra o quadro de ansiedade já se agravou para um quadro de síndrome depressiva de moderada a grave, com ideias recorrentes de morte. Isso se deve ao preconceito, uma vez que a ansiedade pode ser tratada com tranquilidade, mas a demora ao chegar ao especialista acarreta em agravamento. Se falando do período da pandemia e suas ondas temos tido um aumento do número de pessoas que já haviam recebido alta de um quadro de ansiedade grave, de um problema relacionado ao uso de substâncias psicoativas e que agora retomam o tratamento devido ao momento de incertezas sociais, econômicas e com a própria saúde por conta da Covid-19.
Uma dica para quem deseja estreitar os vínculos afetivos durante o isolamento social? Conferir se todos os nossos afetos mais próximos estão bem, conversar por aplicativos de mensagens ou até mesmo por vídeo chamadas. Trocar experiências e oferecer apoio para quem necessita e de quebra receber um pouco de suporte emocional também. Manter o contato nos faz sentir menos solitários.
Como se mantém atualizada na sua profissão? Desde que realizei a minha residência em Psiquiatria iniciei tratamento psicanalítico pessoal e sigo até os dias de hoje. Participo fielmente de atualizações continuadas na área da Psiquiatria abrangente, de congressos anuais e leituras que se fazem necessárias diariamente para a atuação como um profissional consciente do que faz.
Qual a fórmula para conduzir os dias com equilíbrio entre mente e corpo? Costumo realizar caminhadas, mexer com folhagens e flores, como regá-las diariamente. O ideal é que tenhamos um equilíbrio entre o dever e o prazer.
Como se manter saudável em meio ao caos? Preciso contar com o meu capital mental. A cada dia ressurgir das cinzas, correr atrás dos objetivos que traço.
Livro de cabeceira: grandes livros ficam na nossa cabeceira, porque eles refletem alguma situação que está dentro da gente ou que servem para modificar algo de nós. Um bom livro alimenta o intelecto. Neste momento, os livros na minha cabeceira são: Médico de Homens e de Almas, de Taylor Caldwell e Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago.
O que te inspira? Um outro ser humano.
Um hábito que não abre mão? Regar as minhas plantas pela manhã. Toquei piano por muitos anos e gostaria de retomar essa prática em breve. Fazer aulas de sapateado americano me encanta.
Tem algum hobby? O que mais gosta de fazer no tempo livre? Realizar longas caminhadas, além de melhorar a performance física, me ajuda a colocar os pensamentos bons à frente dos menos reais.
Quais são os seus planos para o futuro? Seguir com as minhas atividades atuais, mas quando possível, com mais organização da sobrecarga horária dispensada ao trabalho, podendo delegar determinadas funções para quem está ao meu lado nessa missão.
A melhor invenção da humanidade? Na era digital da comunicação, o aparelho celular foi a maior invenção até o momento.
Um filme para assistir inúmeras vezes: a arte indica gosto e subjetividade então: com o gosto voltado à psiquiatria me marcou Amour, do diretor austríaco, Michael Haneke. Trata das relações humanas que ao mesmo tempo são tocantes quanto ao afeto e impactante quanto a crueza da vida.
Qual a palavra mais bonita da Língua Portuguesa? Respeito. A ideia de que algo que se tenha feito possa ser valorizado, olhado novamente e reconhecido. Que possamos conversar sobre diferentes temas sem preconceito, é respeitar.
Amar é... estar em contato com o outro em todos os estágios, sabendo que estamos em contato com o nosso próprio espelho.
Uma qualidade: serenidade.
Uma palavra-chave: ética. A chave da ética é o controle da vaidade e a sua virtude é adquirida pelo hábito.