No primeiro século da era cristã, mais precisamente em 165, Roma foi assolada pela devastadora peste antonina. Até 180, o grande império padeceu sob essa epidemia, que provocou a morte de quase um terço da população, incluindo o grande Marco Aurélio, admirável estadista e filósofo, autor de um magnífico diário chamado “Meditações”. A origem dessa pandemia provavelmente foi na China. Ou seja, nada de novo sob o sol. A história se repete e o ser humano, em suas fragilidades físicas e psíquicas, é confrontado com algo do qual gostaria de se evadir. Provavelmente naquela época também existiram inúmeros negacionistas, como vemos agora. Pessoas pertencentes ao povo e governantes imbuídos de interesse na manutenção do poder passaram a viver em uma realidade paralela. Como entender um mandatário que traduz o que está diante de seus olhos com indiferença, deboche, quando não desprezo ? Caminhar em meio a essa triste situação, mantendo respeito e empatia, é a única maneira de se conduzir frente ao que está afetando o planeta inteiro.
Durante os últimos doze meses tentei perseverar, conservando uma postura de serenidade. Este é meu renovado esforço, fortalecido cotidianamente em obediência às regras preconizadas por profissionais da saúde e, claro, pelo bom senso. Os contatos afetivos, tão rarefeitos, são o alimento necessário das almas saudáveis, longe de outro horror que parece estar nos contaminado: a depressão e a ansiedade. Caminho longas horas ouvindo música, leio e quase me sinto autorizado a ser um crítico de cinema, depois de ter assistido a centenas de filmes. E assim vou seguindo, no entendimento de ver se reduzirem (sabe-se lá até quando) as possibilidades de circular livremente pelos espaços físicos e emocionais. Andando pela cidade, ainda me surpreendo ao ver as ruas repletas de gente usando máscara. Sou assolado pela sensação de sermos todos personagens de alguma obra de ficção científica ruim. Mas não, devemos nos portar assim, se quisermos sobreviver. E a capacidade de olhar de frente o que se apresenta, adaptando-se, acaba sendo uma espécie de alento, colocando em perspectiva essa dura verdade.
Sentem-se confortados os que conseguem ver nesse vírus um projeto de purificação da raça. Inclino-me a pensar diferente: ele não tem nenhum objetivo moral ao ceifar a existência de tantos seres. Somos afeitos ao esquecimento e é provável que, quando tudo passar, seguiremos em busca de uma normalidade tão bruscamente solapada. O melhor a fazer é respirar o ar das manhãs, agregado a um certo medo, pois ele pode nos faltar quando menos esperarmos. No início da era cristã e mesmo agora muitos devem ter se perguntado: qual o desígnio disso? Responda conforme suas crenças ou a ausência delas. Deixe a ciência ser porta-voz das nossas aflições e esperanças. Ignorá-la é apontar uma arma para a própria cabeça.