O que aconteceu na filial da Cobasi do Shopping Praia de Belas, em Porto Alegre, é emblemático de nosso estágio civilizatório, pois o que poderia ser metáfora ganhou materialidade física: salvaram-se os computadores, levados para o mezanino da loja, ficaram para trás, no pavimento inferior, pequenos roedores, aves e peixes ornamentais. Pagaram com a vida pelo descaso humano a eles, e dentro de uma petshop, lugar onde, se imaginava, mereceriam valorização e cuidado e suas vidas fossem até consideradas sagradas. Sagrado é o comércio.
Alguém tomou a decisão de levar os computadores para o mezanino. Alguém foi o último a desocupar a loja. Alguém se deu conta de que os pequenos animais poderiam ficar ao alcance da água, ou sequer foi capaz disso, porque a prioridade é outra. Alguém virou as costas a eles no último momento. Houve mecanismos mentais, houve escolhas a serem feitas, que alinhavaram esse triste desfecho. O que aconteceu é emblemático do desapreço, do descuido, da insignificância da vida, seja ela qual for. O que aconteceu na Cobasi do Praia de Belas, que só agora vem à tona em pormenores, pela investigação policial, foi emblemático da desatenção ao sagrado, ou da ignorância sobre o que é isso, emblemático da incompreensão de que qualquer vida é sagrada, de roedores a pessoas, sem pretensão de equipará-las, mas de registrar que vida é vida.
Foi, sim, uma representação sincera do nosso estágio civilizatório, que desconsidera o meio ambiente, que subjuga, desvaloriza e sacrifica as outras espécies e agora colhe os frutos de décadas de indiferenças e agressões. Aprendemos na dor. Esse tem sido o estilo de vida da espécie humana, por séculos: o homem no centro de tudo, o chamado “antropocentrismo”, natureza e animais para servir o homem – e não é assim.
São conhecidas entre nós, moradores da Serra, a ridicularização e a chacota a que são submetidas as pererecas da Rota do Sol, eventuais colunistas de jornal que resolvem tocar no assunto e gestores que decidiram pela colocação de cinco pórticos para que as vidas dos pequenos animais possam ser poupadas na travessia da rodovia, em Itati. E, suprema heresia: o custo total foi de R$ 700 mil à época. Instalação que se deu em uma reserva biológica, é preciso registrar: reserva da bio, reserva de vida, reserva de animais e vegetação cortada pela Rota. No entanto, essa foi uma das iniciativas mais nobres e luminosas de que fomos capazes recentemente. Pensamos em pequenos anfíbios também, quem diria! Segundo dados do Estado, os atropelamentos das espécies diminuíram em 80% após a implantação da medida de proteção à fauna. São 7 mil atropelamentos evitados entre a primavera e o verão. Fomos capazes disso, é um tanto surpreendente.
Pensar no homem em primeiro lugar, acima do meio ambiente e dos animais, tem nos conduzido a tragédias. E, pela nossa soberba e empáfia, não somos capazes de aprender. O sacrifício dos pequenos animais da Cobasi deixa esse legado. Fica a dica.