Devia esse texto a Kika. Kika foi uma pug adorável, companhia inseparável por 13 anos aqui em casa e no condomínio, onde era bem-vista e reconhecida. Deixou-nos em janeiro. Ainda no dia em que ela se foi, falei com ela. Seu estado era bastante frágil, mas, para interagir com Kika, lancei mão dos comandos cotidianos aos quais nos acostumamos mutuamente ao longo dos anos, como a palavra-chave que servia de convite e ordem para descermos até a rua para as atividades habituais. Ao escutar o comando, aquele serzinho frágil, em suas últimas horas de vida, esboçou reagir para responder e agradar seu tutor. Até levantou-se e deu alguns passos com dificuldade em minha direção, embaraçada pela sonda da alimentação venosa em sua patinha. Imediatamente, tratei de abraçá-la e acarinhá-la, e ficamos juntos por alguns minutos na clínica onde ela estava internada. Difícil conter a emoção, inclusive enquanto escrevo. Horas depois, uma parada cardíaca a levou.
Foi uma questão pessoal difícil a despedida de Kika, como de resto é – ou deveria ser – a despedida de qualquer cão, situação que procurei administrar sem compartilhar neste espaço porque, afinal, era uma questão particular que, em tese, por não ser assunto público, não deveria despertar maiores interesses. Agora, a perda do golden retriever Joca esta semana, que não resistiu ao esquecimento e às más condições que lhe foram impostas ao ser transportado como uma carga qualquer em um voo para um destino errado, a milhares de quilômetros de seus tutores, bem como a comoção que isso causou, permite a solidariedade e a compreensão em torno da perda de um cão.
Joca deixou um legado de visibilidade para a importância que os cães conquistaram na sociedade contemporânea. Não foi gratuito esse espaço conquistado. Cães têm séculos de serviços prestados ao companheirismo, presença incondicional e apoio emocional a seus tutores. A morte de Joca, do jeito que aconteceu, despertou o debate na sociedade e no Congresso sobre o transporte de pets em voos, para permitir um avanço na conquista de direitos para os caninos. Não é possível – apesar dos maus-tratos frequentes de péssimos seres ditos humanos – ignorar e subestimar a importância de cães e pets nas famílias contemporâneas, incluindo pessoas em situação de rua, que não desprezam a companhia de cães e com eles dividem o pouco que recolhem para saciar a fome. De lambuja, a perda de Joca permitiu resgatar uma homenagem a Kika neste canto de jornal. Já Kika confirmou o legado desse companheirismo extraordinário que nos faz mais felizes, que os cães cumprem com excepcional espontaneidade, dedicação e fidelidade. Cães valem a pena.
Kika e Joca certamente já se encontraram no céu dos cachorros, onde brilham com especial luminosidade.