Confesso que torci por Maradona. Costumo dizer que tenho um pé na Argentina. Afinal, nasci a cerca de 140 quilômetros do território argentino, pela ponte internacional que liga Uruguaiana a Paso de Los Libres. Aliás, que belo nome de cidade, Passo dos Livres! E a cultura argentina, em simbiose com a cultura regional do Pampa gaúcho, tem forte unidade e identidade, que extrapola fronteiras físicas. O Pampa é uma região belíssima, em especial a partir de Alegrete, a cidade em que nasci, na direção de Uruguaiana. Até Alegrete, pela BR-290, também já se vislumbra o Pampa e suas formações, desde São Gabriel. Mas é especialmente entre Alegrete e Uruguaiana que o Pampa é ainda mais bonito, com seus vastos cenários, taperas, açudes, cercas de pedra, campos a perder de vista, o gaúcho na lida, as aves e os animais dessa região única, uma amplitude que faz descansar a alma, cogitar de horizontes generosos, literal ou metaforicamente falando. Tudo isso bem pertinho da Argentina, a caminho da Argentina e adentrando também o país vizinho.
Afora esse contexto físico, geográfico, regional, de raiz, que me é tão íntimo e próximo levando em conta a região em que nasci, a Argentina nos oferece Jorge Luis Borges na literatura, o personagem mitológico Martin Fierro do escritor José Hernández e sua poesia a partir do canto dos payadores, da vivência nos pampas. A argentina nos oferece o belíssimo e envolvente idioma espanhol. O ambiente do tango e de Buenos Aires. Oferece também Mercedes Sosa e sua voz poderosa que se ergueu a cortar as Américas em um cenário político medonho. Tem Fito Paez e Charly Garcia na música contemporânea, e por aí vai. E teve ainda Ernesto Che Guevara, médico, revolucionário e guerrilheiro, figura explosiva, ainda mais nesses tempos de acirramento ideológico. Creio que mexi em um vespeiro. Mas vamos, lá, é preciso registrar o argentino Che Guevara, que teve um mérito: sempre esteve ao lado dos mais fracos nesta América Latina de veias abertas e de muitas desigualdades. Por fim, a Argentina tem Maradona e Messi.
Confesso, portanto, que, por essas razões alinhadadas e pela genialidade de seu futebol, torci por Maradona e pela Argentina em 1986 e 1990, quando a Argentina, com Maradona à frente, somente perdeu o bicampeonato para a Alemanha em um pênalti no mínimo polêmico aos 40 do segundo tempo. Confesso também que não torci pela Argentina na Copa de 78, na decisão contra a Holanda, pelo encantamento com a escola holandesa de jogar futebol e pelo obscuro cenário do país, comandado à época pelo ditador da triste figura Jorge Rafael Videla – outro Jorge argentino – e seus generais. Na Copa do México, em 86, porém, Maradona iria desfilar o melhor de seu futebol e garantiu a taça para a Argentina, merecidamente. Quando há merecimento, eu torço a favor. E Dieguito não foi apenas o jogador de futebol, mas também a figura, a lenda, o personagem rico e complexo, repleto de humanidades.
Messi também é um jogador e um personagem com a sua complexidade. Avesso a Maradona no comportamento e no estilo de vida, tem o mesmo DNA da genialidade de seu antecessor. Talvez até mais. Falta-lhe um título de Copa. Confesso que, afora meus pendores nacionais – afinal, Alegrete fica no Brasil –, também torço secretamente por Messi no Catar. Ele merece. E eu, afinal, tenho um pé na Argentina.
* Durante toda a Copa do Mundo, o colunista Ciro Fabres publicará em GZH Histórias de Copa, uma coletânea de crônicas e histórias embaladas em torno das Copas do Mundo, desde a primeira delas acompanhada pelo colunista, a de 1970, no México. Com a Copa do Qatar, são 14 Copas.