Passou sem muito alarde nem a visibilidade merecida um exemplar Congresso de Líderes de Religiões Mundiais e Tradicionais no Cazaquistão, com representantes, entre outras confissões, do Islã, do Judaísmo e do Budismo, agora em setembro. Exemplar porque sinaliza para o mundo que os diferentes podem estar juntos com suas diferenças e convergir na busca por um mundo melhor. Aliás, essa deveria ser a missão da humanidade, o propósito da humanidade, das pessoas, dos povos, dos governantes, presente em todos os atos: buscar a convergência possível para melhorar essa nossa realidade tão esburacada. Bastaria a compreensão dessa necessidade, algo nem tão complicado, mas não é assim que fazemos todo dia.
No congresso de líderes das religiões mundiais, que reuniu 100 delegações de 50 países, também estava o papa Francisco. Ao final, os participantes escreveram uma declaração, aprovada por maioria, que recomenda aos líderes mundiais dos países, isto é, aos governantes, “que abandonem toda a retórica agressiva e destrutiva”. Bingo! Esse é o ponto. A recomendação deve valer também para cada pessoa, eu, você, todo mundo. O teor da recomendação tem o poder de desarmar conflitos. Porque a “retórica agressiva e destrutiva” implode pontes, inviabiliza qualquer convergência e coloca tudo a perder.
“Sons, palavras, são navalhas”, já dizia o inconfundível poeta Belchior lá pelos Anos 70. Palavras podem cortar. Belchior dizia na música da impossibilidade de fazer “uma canção como se deve, correta, suave, muito limpa, muito leve” porque, sendo as palavras navalhas, não poderia “cantar como convém, sem querer ferir ninguém”. Não se trata de fazer a canção correta, suave, em uma palavra, “isenta”, para não ferir ninguém. Se trata de encontrar a melhor palavra para o momento, para a circunstância e a condição específicas, na melhor entonação e na melhor forma. Quem disse que seria fácil? Mas escolher a palavra, e ainda por cima pronunciá-la com sensibilidade, é uma arte. Significa evitar qualquer “retórica agressiva e destrutiva”. É o exercício e a disposição que nos cabem para tentar melhorar alguma coisa ao nosso redor.
A reflexão a respeito de uma “retórica agressiva” é por demais apropriada para um ambiente eleitoral. É do temperamento e da cultura sermos diferentes. O que é muito bom. O que não significa abdicarmos das convergências necessárias e essenciais. Ao contrário, devemos buscá-las com os diferentes, e nos entendermos. Isso é maturidade, é fazer boa política e um bom debate eleitoral – algo que parece impossível nesses nossos dias. Isso é desarmar a bomba dos conflitos, construir a convergência possível, para ajudarmos a melhorar o que for possível. Vale para governantes, candidatos e qualquer um de nós. Todos os dias, todas as horas.