O compasso era um material escolar mágico e emblemático, que abria portas para um outro mundo. Fazia parte de um conjunto, que incluía esquadros, réguas, transferidores. Para nós, alunos pré-adolescentes do antigo ginásio, que correspondia às séries conclusivas do que hoje se chama Ensino Fundamental, carregava o significado de se chegar a um estágio mais avançado do ensino formal. Havia a disciplina de Desenho Geométrico, e nem era no Ensino Médio, era antes, em escola pública, na rede estadual. Outros tempos.
O compasso permitia fazer círculos perfeitos, harmonização de linhas e possibilidades. Não por acaso, ajudou-me a ser atraído à Engenharia na primeira escolha profissional. Compasso remete à harmonia. Na extensão do conceito, é referência usual no universo da música e da dança.
Pois o mundo está em um descompasso só. Desajustado. Harmonia nem pensar. Um passo para cá, outro que não acompanha, e vai em movimento contrário. Uma nota que não se encaixa na outra. A dissonância até é uma possibilidade interessante na música. Mas o que vivenciamos são desafinações estridentes.
Por um lado, tem se falado bastante em duplicação da 122, da 453 entre Farroupilha e Bento, em 5 anos. Soa inacreditável que consigamos tal façanha. Tomara que assim seja. Muito mais do que isso, há projeto de um transporte ultrarrápido por meio de cápsula que consumiria 17 minutos entre Porto Alegre e Caxias, com escala em Gramado. Tem-se aqui esboços de ultramodernidade.
Enquanto isso... A pandemia escancarou o tamanho de nosso desapego e desvalorização da vida. Não podemos parar para proteger ou homenagear vidas. Sequer colocar cruzes na frente do Santuário de Caravaggio. A miséria cresce. Não conseguimos conciliar internet com possibilidades de educação na rede pública por carência da estrutura mais elementar e da valorização dos professores. Não investimos em pesquisa e ainda convivemos com questionamentos à ciência. Agora surgiu a sugestão presidencial de deixar a máscara de lado. Tempos obscuros. Tempos estranhos. A juventude, antes rebelde para questionar valores arcaicos, hoje exercita a rebeldia em festas clandestinas. O debate, que poderia ser produtivo nas redes sociais ou na política, reflete falta de habilidade e familiaridade com o diálogo, e pior do que isso, nossa agressividade e intolerância com quem pensa diferente. Reflete a falta de respeito e de consideração ao outro.
Nesse pé estamos, enquanto divagamos sobre trens ultrarrápidos. É um enorme descompasso. Bem diferente do que sugeria o compasso, aquele material escolar que nos instigava a novas possibilidades nos tempos do antigo ginásio.