A professora Loraine decifrava a cidade, as relações que constroem uma cidade, e verbalizava suas percepções de forma aguda, provocativa, afiada. Dizia o que muitas vezes se evita dizer, mas é bom ser dito. Dizia sem rodeios, de forma direta e clara, mas com o respaldo do reconhecimento que conquistou ao longo da existência, de alguém que se importa em entender sua cidade e buscar contribuir com ela, abrindo-lhe os olhos e as percepções.
O passamento da professora Loraine coloca a oportunidade de refletir sobre como se diz as coisas. É uma questão central de nosso tempo. Loraine dizia, e aquilo estava dito, o que tinha de se dizer, a produzir seu efeito, a contribuir no entendimento da identidade da cidade. Com seu estilo franco, era levada em conta. Tinha pertencimento e comprometimento com sua realidade. Dizer é uma arte e uma sabedoria. Estão aí as redes sociais a comprovar que vamos muito mal neste quesito de como se diz as coisas.
O mau jeito na hora de dizer as coisas é uma tragédia. Produz estragos imensuráveis. Implode pontes, tudo o que não precisamos. Então, será preciso reconstruí-las. Precisamos de pontes e caminhos para fazer transitar possibilidades de entendimento e convergência, por mínimas que sejam. Ao mesmo tempo em que é preciso esse cuidado de não implodir pontes, o que exige como pré-requisito o respeito aos interlocutores, é preciso transmitir o recado da forma mais provocativa possível. Como Loraine fazia. Provocativa aqui no bom sentido, forte o suficiente para sacudir, capaz de provocar o interlocutor à reflexão produtiva. Diálogos insossos e insípidos muito pouco acrescentam.
Sobre as redes sociais e a qualidade dos diálogos, citamos de passagem acima, e parece haver consenso. No ambiente político, especialmente, precisamos qualificar os diálogos e as intervenções. Muito de nossas extremas dificuldades se assentam neste ponto. É corriqueiro o diálogo ser entremeado por reações como “o senhor ou a senhora mentiu”, “o senhor ou a senhora é mentiroso ou mentirosa”, ou com provocações que não são produtivas, ao contrário. Quem externou uma manifestação entendida como mentirosa, com frequência pode realmente não ter maior apego aos fatos, até mesmo distorcê-los para obter vantagens. Mas a reação explosiva, como consequência elementar, explode pontes, que podem ser produtivas para, mesmo com diferenças de entendimento de mundo muito gritantes, permitir aproximações de compreensão, um recuo, uma volta atrás, a soma pontual de esforços. O ganho da reação extremada é nenhum. E ao mesmo tempo, é preciso oferecer a boa provocação.
É uma arte, que Loraine soube exercitar como poucos.